O Globo 90 anos: Jornal acompanhou as mudanças no acesso a universidade do unificado até o Enem

RIO – Os relógios marcam 6h e uma multidão de jovens começa a chegar ao Maracanã. Com o peculiar calor carioca de uma manhã de janeiro, os trajes são shorts, camisetas e grandes chapéus. Eles poderiam estar a caminho de um grande show ou partida de futebol. Mas, como noticiavam as páginas do GLOBO, era a “primeira grande experiência” do vestibular unificado da Cesgranrio, modelo que seria mantido até 1987. Uma espécie de protótipo do que anos depois ressurgiria na forma da atual utilização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

A manhã daquele domingo de 9 de janeiro de 1972 foi a prova de fogo para o processo seletivo da Comissão Coordenadora Setorial da Área da Saúde (Combimed), que era o mais concorrido do unificado, com 12.613 inscritos. Durante a tarde, seria a vez do teste da Comissão Coordenadora Setorial da Área de Ciências e Tecnologia levar quase nove mil candidatos ao Maracanã (pense no sol a pino). Já a prova da Comissão Coordenadora Setorial das Áreas de Ciências Sociais, Ciências Humanas, Letras e Artes, havia sido realizada também pela manhã em diferentes endereços para 6.912 inscritos.

Chegar ao unificado não foi fácil. A recomendação de adotar essa prática nos processos seletivos partiu do próprio Ministério da Educação. Mas, como mostram reportagens publicadas no fim da década de 1960, diretores de faculdade consideravam o modelo “inexequível” naquele momento. Provavelmente, não imaginavam que um dia o país teria uma única prova como a principal porta de entrada para o ensino superior público: o Enem.

O diretor do Colégio Garriga de Menezes, Manoel Afonso, se recorda bem dessa época, que foi quando prestou vestibular para Biologia:

— Depois da reforma universitária de 1968, foi determinado o modelo unificado como uma estratégia para evitar que alunos fizessem mais de uma matrícula. E como havia mais candidatos que vagas nas áreas mais concorridas, o vestibular precisava ser classificatório.

O números, guardadas as devidas proporções, sempre foram superlativos. A última edição do unificado teve 79 mil inscritos, com vagas para instituições públicas e privadas. Este ano, o Enem tem 8,4 milhões de candidatos. Outra semelhança diz respeito à universalização de conteúdos, ainda que parcial. Até então, os processos seletivos cobravam apenas o conteúdo específico de suas respectivas áreas. O unificado passou a trazer testes de núcleo comum para todas as áreas. Mas, neste quesito, as semelhanças com o Enem param por aí.

— A prova do exame nacional é mais democrática, visto o caráter mais conteudista do unificado — compara Afonso. — Naquela época, os alunos tinham que saber todas os termos e especificações da membrana plasmática. Hoje, o importante é conhecer a finalidade da membrana e o que ela pode agregar à sociedade científica.

Com a Constituição de 1988, as universidades passaram a ter autonomia e estabeleceram seus próprios modelos de ingresso. Já o Enem foi transformado no principal caminho até às instituições públicas em 2009, mesmo ano de criação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

O Globo