Alunos fora da curva

Estudantes de escolas públicas ruins que tiveram nota alta no Enem são retrato das contradições do País

Evanilson de Moraes, de 19 anos, prestou o Enem em 2010. Filho de uma agricultora de Colinas, cidade de 2,5 mil habitantes no Vale do Taquari (RS), não tinha acesso à internet em casa. Sua pontuação no exame foi de 828,58, superior à média do Colégio São Bento, no Rio, o número 1 do ranking nacional daquele ano, e muito acima dos 525,43 de média da Escola Estadual de Ensino Médio de Colinas, onde estudava. Entrou em 2011 em Direito da Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Deixou o curso um mês depois e voltou a trabalhar em uma olaria de sua cidade porque pretende mudar de carreira – mas também por outro motivo. “Como venho de família de baixa renda não tive como me manter”, diz Evanilson, que pagava diárias de R$ 40 em um hotel de Rio Grande, 430 quilômetros ao sul de Colinas.

Evanilson vai prestar Enem de novo este ano em busca de uma vaga em História. O caso dele ilustra bem a situação contraditória enfrentada pelos verdadeiros gênios do Enem, alunos de famílias humildes que fizeram todo o ensino médio (ou pelo menos a maior parte dele) em escolas públicas de baixo desempenho e tiveram no exame pontuação superior à média do São Bento. Embora sua performance seja equiparável à da elite dos melhores colégios, a maioria deles ainda não encontrou seu caminho na universidade, retrato das dificuldades de acesso ao ensino superior que persistem no País.

A pedido do Estadão.edu, a Meritt, consultoria de educação de Florianópolis, fez um levantamento nos microdados do Enem 2010, os últimos disponíveis, e identificou os candidatos “fora da curva”, que tiveram maior diferença no desempenho em relação a suas escolas.

Por esse critério, a campeã do Enem 2010 foi Thaiane Paz Passos, de 19. Ela fez a maior parte do ensino médio no Colégio Estadual Albérico Gomes Santana, em Cabaceiras do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano, a 150 km de Salvador. Teve 807,86 pontos no Enem, quase o dobro da média do colégio, de 479,90.

Thaiane queria cursar Medicina, mas a concorrência acirrada a intimidou. Inscreveu-se em cursos ligados à área, entre os quais Fonoaudiologia na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Odontologia na Estadual da Bahia. Acabou entrando em Enfermagem na Federal do Recôncavo Baiano. “Não é o que quero ainda, mas sinto que estou na área certa”, diz Thaiane, que busca agora uma transferência para o Bacharelado Interdisciplinar em Saúde que a federal pretende lançar em 2013.

Ao contrário da maioria dos estudantes identificados no levantamento da Meritt, Thaiane estudou até a 1.ª série do ensino médio na rede privada. Em 2009, a mãe, a professora Denise da Paz Passos, de 41, precisou colocar a filha no Albérico Gomes, porque a família enfrentava dificuldades. “Thaiane chorava e dizia que já sabia tudo que era passado pelos professores.”

Cabaceiras tem Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,592, o que a coloca na 4.808ª posição entre as cidades do País. Embora a rede particular do município não seja comparável à dos grandes centros em termos de qualidade, Thaiane sabe que teve mais base do que os colegas. “No colégio particular os alunos pareciam ter mais vontade de aprender, talvez porque na rede pública as perspectivas sejam menores. Só que nunca me achei superior por saber mais”, diz a menina, que organizou até plantões para ensinar os colegas.

Cota

Como não poderia deixar de ser, dedicação e prazer de estudar são traços comuns aos gênios do Enem. Criada em Teixeira (PB), Bruna Barbosa, de 18, fez escola particular até a 1ª série do ensino médio, como Thaiane, graças a uma bolsa. A família de Bruna também enfrentou dificuldades financeiras e teve de transferi-la, para a escola estadual Sebastião Guedes da Silva.

Em 2010, Bruna prestou vestibular na Federal da Paraíba (UFPB) para Engenharia Civil. Fez 831,81 pontos no Enem, mas a escola tinha inscrito a menina como candidata ao programa de cotas da UFPB, restrito a quem tivesse feito o ensino médio integralmente na rede pública. Bruna perdeu a vaga e, para não ficar parada, usou a nota no Enem para fazer Fisioterapia em uma faculdade privada, com bolsa integral pelo ProUni. “Achei que pudesse gostar com o tempo.”

Depois de dois semestres, teve a certeza de que não era aquilo que buscava. Prestou de novo o Enem e passou em Engenharia Civil na Federal de Campina Grande. Deveria ter iniciado o curso em agosto, mas, com a prorrogação do semestre letivo em virtude da greve nas federais, só terá as primeiras aulas em novembro ou dezembro. “Estou muito ansiosa. A cada assembleia do sindicato, torcia para que a paralisação fosse encerrada. E ela, enfim, acabou.”

“O País não tem projetos para alunos de alto potencial. Imagine a quantidade de talentos que perdemos na rede pública pelo fato de as escolas serem tão ruins que não conseguem fazer com que esses alunos se desenvolvam”, diz Priscila Cruz, diretora executiva do Todos pela Educação, entidade que luta pela melhoria do ensino público. “A sociedade brasileira não valoriza o bom aluno. Ele é estigmatizado como o CDF e tem muito jovem que quer ser popular numa fase em que a socialização é um elemento importante.”

José Henrique Botelho, de 18, criado em Tabaporã (MT), atribui seu desempenho no Enem (média geral de 783 pontos) à timidez. Sempre recluso, ele diz que não se identificava muito com os estudantes, preferia interagir com os professores. “Eles foram muito importantes na minha história, pois sempre me incentivaram a ler.”

Em 2010, José Henrique conquistou o 4º lugar no curso de Engenharia Florestal na Federal do Mato Grosso (UFMT). No segundo semestre, no entanto, teve a certeza de que não era exatamente aquilo que queria. Ao contrário do que imaginava, o curso exigia muito mais proficiência em Exatas do que em Biológicas. Além disso, o jovem precisava trabalhar para ajudar a família, algo que o curso, integral, não permitia.

No meio deste ano, José Henrique prestou o vestibular da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), desta vez, concorrendo a uma vaga de Licenciatura em Letras, no câmpus de Sinop. Está satisfeito com a escolha. “Acho que é muito mais a minha cara.”

Olimpíada

Sempre a primeira da turma, Kaira Cristina Macêdo, de 18, ex-aluna da Escola Estadual Verena Leite de Brito, de Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), ganhou sua primeira medalha na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas ainda em 2005. Até 2010, quando se formou, não passou um ano sem conquistar medalhas ou menções honrosas na competição. “Não ia para a escola atrás de boas notas, mas para aprender.”

Kaira diz que sempre teve consciência de que recebia um ensino deficiente. Com frequência, fazia pesquisas na internet e nos livros que tinha em casa para aprofundar os estudos. “Os livros didáticos a que temos acesso são cheios de informação, mas muitos alunos não os usam corretamente.”

A estudante fez 808,01 pontos no Enem e, graças à desenvoltura com os números, hoje cursa Engenharia Civil, na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Preferiu o curso a outros dois nos quais passou, os de Matemática, na PUC de Goiás, e de Moda, na federal do mesmo Estado – a jovem adora customizar roupas e pesquisar sobre moda em seu tempo livre. “A vontade de alcançar o sucesso sempre me fez correr atrás do que me interessava.”

Física quântica

“Enquanto meus colegas estudavam a Idade Média, por exemplo, eu já estava aprendendo física quântica por conta própria”, diz Abimael Simei Almeida da Justa, de 19, que prestou o Enem quando morava em Senador Guiomard, cidade de 20 mil habitantes a 24 km de Rio Branco (AC). Teve média geral de 822 pontos no exame, graças a uma rotina que, no último ano do ensino médio, incluía pelo menos oito horas diárias de estudo. “Foi muito puxado, mas ele estava decidido a entrar na federal”, diz a mãe, Maria de Lourdes.

Abimael atingiu o objetivo. Faz Engenharia Civil na Universidade Federal do Acre (Ufac). Ironicamente, a nota no Enem (822 pontos) não adiantou para nada. Em 2010 a Ufac ainda não usava o Enem e Abimael só entrou graças ao desempenho no vestibular da federal.

“Ele sempre foi um aluno muito dedicado, chegamos a fazer uma vaquinha para pagar a inscrição dele no vestibular”, diz Daniel de Souza e Silva, professor de Biologia da Escola Marcos Parente em Teresina (PI), referindo a Alcenir Augusto Barbosa, de 19. Morador de União, a 50 km de Teresina (PI), o pai de Alcenir, que sempre trabalhou na roça, estudou até a 6ª série; sua mãe, só até a 4ª. O casal tem seis filhos e sobrevive graças a programas sociais do governo. Na casa da família não há telefone nem sinal de celular. “Até pouco tempo atrás, nem mesmo energia elétrica eles tinham”, conta o professor Daniel.

Alcenir passou em Biologia na Federal do Piauí. Abandonou o curso depois de um ano, prestou o Enem de novo e garantiu bolsa integral no curso de Fisioterapia da Faculdade Santo Agostinho. “Acho a carreira é mais bem remunerada.”

A estabilidade também guiou a escolha de Paulo Ricardo Barbosa, de 20. Apesar de sempre ter se identificado mais com as disciplinas de Humanas, quando optou pelo curso de Química, na Faderal do Ceará, pensou no retorno financeiro que a carreira poderia lhe trazer no futuro. Passado os dois primeiros semestres, começou a achar o curso muito “teórico”. Trancou-o e começou a trabalhar em uma empresa como operador de telemarketing. Atualmente, Paulo se prepara para prestar o Enem novamente. O jovem deve optar por Engenharia Química. Mais uma vez, o dinheiro falou mais alto. “Quero poder dar uma estabilidade financeira a minha futura família”, diz o jovem, que namora há dois meses e já pensa em se casar daqui um, dois anos. 

Os pais de Josilene Rocha Veloso, de 19, consideram uma vitória a jovem ter chegado ao ensino superior – ela é a única entre os amigos da escola estadual Francisco Matarazzo Sobrinho, em Osasco, Grande São Paulo, a chegar à faculdade. “Eles sentem um orgulho imenso”, diz a garota, estagiária do portal da TV Cultura.

Josilene acha que deve o seu desempenho aos pais, para retribuir o esforço que fizeram para que ela e os dois irmãos pudessem se dedicar exclusivamente aos estudos. “Nunca tirei uma nota vermelha”, diz a garota, que gosta de ir a museus e ao cinema e, principalmente, de ler – Machado de Assis é seu autor preferido.

Em 2010, quando terminou o ensino médio, Josilene prestou Fuvest, mas não se deu muito bem. No Enem, entretanto, conseguiu 831,38 pontos. Pensava em prestar o Mackenzie, mas a faculdade não oferecia vaga para Jornalismo pelo ProUni na época. Ela aplicou para a Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, onde conseguiu bolsa integral.

Sem mobilidade

Apesar do alto desempenho, mais do que suficiente para a admissão em federais, Josilene diz que nem cogitou a mudança para outras cidades. “Meus pais talvez até tivessem me apoiado caso decidisse isso, mas dificilmente conseguiriam me manter.”

“Vou tentar Engenharia Química e Medicina, só que meus pais não têm condições de me manter em Fortaleza”, diz Francisco Marcílio Lima Abreu, de 19 anos, criado em Graça (CE), cuja renda familiar é de R$ 622. Atualmente ele estuda Engenharia Civil na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral (CE), a 70 km de Graça, onde sua irmã faz Enfermagem. “Francisco sempre foi um menino aplicado”, conta a mãe, Excelsa, que trabalha como telefonista na prefeitura de Graça e toma conta da neta de um 1 ano e 5 meses para que a filha mais velha curse a UVA.

Francisco foi bronze na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica de 2009; ficou em segundo lugar num concurso de redação da Bienal do Livro do Ceará de 2010; e faturou computadores por garantir a primeira colocação, em três anos consecutivos, no Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará. “Sou curioso, gosto de me informar. Sempre quis um bom futuro para mim.”

A importância de bons exemplos

No final de 2008, o pintor Gevair Barbosa Siqueira percebeu que seu filho mais velho, Jean, hoje com 19 anos, não estava bem. O garoto, que sempre fora um excelente aluno, estava desanimado, sem saber o que fazer da vida. Para estimulá-lo, o pai resolveu voltar para a escola e matriculou-se na Educação de Jovens e Adultos (EJA) para concluir o ensino médio. “Vamos prestar o Enem juntos”, disse ao filho. Na época, Jean tinha acabado de deixar o 1º ano.

Em 2009, pai e filho prestaram o exame. Jean, que era ainda treineiro, não se saiu muito bem. Seu pai, por outro lado, garantiu uma vaga em Sistemas de Informação na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) – curso que deixou logo nos primeiros meses por não se sentir preparado para seguir adiante. Seu objetivo, no entanto, se cumpriu. No ano seguinte, seu filho estava empolgado como há muito tempo não o via.

Ao longo de 2010, Jean teve de se dividir entre a escola, um estágio que lhe rendia algum dinheiro extra e um cursinho preparatório popular no qual se inscreveu. “O esforço valeu a pena”, diz o estudante, que teve uma média geral de 818,33 pontos no Enem daquele ano (25ª posição no ranking). Jean seguiu os passos de seu pai e foi aprovado em Sistemas da Informação na UFGD.

O cearense Caio Lucas Farias de Lima, de 19, foi o 5º colocado de acordo com o levantamento da Meritt. O estudante, que hoje cursa Design Gráfico na Universidade Federal de Pernambuco, obteve média geral de 788,59 pontos. O bom desempenho, ele atribui ao ambiente familiar. Seu pai possui ensino superior e mãe, professora, sempre leu livros infantis para o filho quando ele era ainda uma criança.

Os maiores conflitos enfrentados até hoje por Caio foram relacionados consigo mesmo – dificuldade de relacionamento foi um deles – e se refletiram no período em que fez do quinto ao sétimo ano e obteve notas abaixo da sua média. “A maior dificuldade é reconhecer nossas limitações e dificuldades e se lapidar”, avalia. Consciente de que aprendizado é para ser compartilhado, participa, há um ano e meio, como voluntário, do programa Escola Aberta, nas dependências da escola estadual Artur Mendonça, também em Moreno, onde mora.

Durante a maior parte de sua vida escolar, Pedro Yure Nogueira, de 19, não era um aluno que poderia ser tomado como exemplo. O jovem tirava notas baixas, sentava-se no fundo da sala e dormia durante as explicações dos professores. De acordo com Magda Maria Cardoso, sua mãe, o menino “desandou” quando seu pai faleceu. Na época, Pedro tinha apenas 9 anos de idade.

Seu desdém pelos estudos era tamanho, que sua mãe, que sempre o mantivera em escolar particular, decidiu transferi-lo para uma instituição pública na passagem do ensino fundamental para o médio. “Como ele não era um bom aluno, seria mais fácil para ele conquistar uma bolsa pelo Prouni caso tivesse concluido os estudos em uma escola do Estado. A família morava em Aracati, no Ceará.

Ao final do 2º ano do ensino médio, Pedro resolveu que era hora de mudar sua própria vida. Sem que tivesse uma razão clara para isso, começou a correr atrás do tempo perdido. “Como não tinha tido uma boa base de conhecimento, acabei tendo que voltar a matérias da 5ª, 6ª série para entender melhor o que os professores estavam ensinando”, diz.

Magda acredita que tamanha mudança não se deu ao acaso. “Na época, ele teve uma namoradinha que era muito estudiosa e acabou mostrando a ele como estudar poderia ser interessante”, entrega a mãe. Hoje Pedro cursa Engenharia Civil, na Universidade Potiguar, em Mossoró, no Rio Grande do Norte.

Alcance nacional

“Esse levantamento comprova que o País tem muitos aluno talentosos que geralmente não têm oportunidade”, diz Leandro Tessler, ex-coordenador do vestibular da Unicamp, hoje assessor dos projetos de internacionalização da universidade. “O Enem ainda não chegou onde eu gostaria: ser uma prova estável, planejada, bem feita. Mas o futuro é esse. Ter provas nacionais para evitar que talentos se percam.”

 

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