Aritmética bonita

Que mundo é esse em que funcionários mandam imprimir um livro dizendo que dez menos sete é quatro?

A notícia de que o MEC gastou dinheiro para espalhar material didático com erros de matemática já não é notícia, tantas semanas se passaram. Esse é o problema de quem escreve uma vez por mês, como eu. Não resisto à tentação de comentar essa velha notícia, porque ela me desperta um tanto de ideias.

Que mundo é esse em que funcionários doutos mandam imprimir que 10 – 7 é 4 e 16 – 8 é 6 e assim por diante, só para combinar, apostando na estética e na simetria?

É claro que não foi de propósito que eles o fizeram, mas a estética e a simetria venceram a parada.

O autor (ou autora) quis fazer bonito, e fez, só que a aritmética sofreu. Números malvados. O que importa mesmo é fazer bonito. Certo ou errado, não importa. Dizer que esses erros são reflexos de falta de atenção não explica nada.

Entre ensinar certo e quebrar uma rima pretendida, vence a rima. Mesmo assim, recaímos na vala comum da falta de atenção. Eu quero fazer bonito, mas não deu. Eu faço dar.

Antigamente, muito tempo atrás, corrigir não era humilhar. Repórteres, redatores e escritores submetiam-se à sanha corretiva dos revisores. Não porque fossem piores profissionais do que os de hoje, e sim porque errar era humano e eles, como todo mundo, tinham o direito de se enganar e podiam ser corrigidos pelos revisores.

Um livro também passa por um revisor ou mais de um. Os revisores do Ministério da Educação e Cultura, se é que existem, no mínimo são pouco eficientes. Se não por outra razão, pelo menos por terem permitido a distribuição das obras em questão.

Há pouco tempo tivemos o “qui pro quo” sobre ensinar ou não linguagem coloquial na escola. O problema é deixar de lado a língua culta, que só a escola ensina. É preciso levar a escola a sério, na sua tarefa de democratização da cultura.

Os livros do MEC, disseram os jornais, foram distribuídos na zona rural. Isso é uma injustiça. A escola não pode nem deve perpetuar a diferença de classes.

As escolas de elite, com certeza, selecionam com cuidado seus livros didáticos. E, assim, quem é pobre não aprende ou aprende errado, enquanto o rico aprende certo. Absolutamente injusto. Não quero acreditar que a escola, que deveria formar cidadãos, forma vários tipos de cidadão: os melhores e os piores.

Falar e escrever a língua coloquial, a língua culta, saber fazer conta são apenas os primeiríssimos passos para reduzir as diferenças e oferecer oportunidades melhores aos que mais precisam.

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de “Cotidiano nas Entrelinhas” (ed. Ágora)