Brincadeira sem graça, artigo de Eliane Catanhêde

BRASÍLIA – Era domingo. Amanda, que havia meses estudava dias, noites, fins de semana e feriados, acordou cedo, vestiu-se e foi enfrentar o difícil e disputado concurso para o Ministério da Justiça. Voltou tarde, exausta, mas satisfeita com o seu desempenho.

Filha de empregada doméstica, Amanda é uma moça de ouro. Estudiosa e determinada, formou-se em direito, passou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil e estava animadíssima com o concurso. Mas deu no que deu: a prova foi anulada por irregularidades.

É ou não de matar de raiva? Recorre-se aqui ao caso da jovem Amanda para dar um nome e um exemplo em carne e osso para aqueles 4,1 milhões de estudantes que se viram frustrados, lesados e desamparados com a anulação da prova do Enem, e de uma maneira tão fácil que chega a dar arrepios: bastou que dois ladrõezinhos de galinha entrassem, pegassem cópias e saíssem, lépidos e fagueiros.

Se é possível ocorrer o que ocorreu, entre tantos outros exemplos, numa prova do MEC e num concurso do Ministério da Justiça, que é chefe da Polícia Federal, imagine-se só o que não acontece por aí. Ainda mais na era Lula, quando os concursos, contratações e nomeações são às dezenas por dia. Quantos mais eles são, maiores as chances de fraudes. E sem a menor garantia de fiscalização e de segurança.

Que o Enem de 2009 fique para sempre como alerta e como vergonha e renda lucros e dividendos daqui em diante, até para acabar com aquela vaga sensação de que, em alguns concursos, como no Senado e na Câmara, por exemplo, as provas não são para valer, só servem para "lavar" vagas para apadrinhados pré-escolhidos.

Tem alguma coisa errada nisso, e os 4,1 milhões do Enem devem ser mártires de uma boa causa: que se levem provas, exames e concursos públicos mais a sério. Eles não são de brincadeira. Ou melhor: não eram e não deveriam ser.

Eliane Catanhêde – Folha de São Paulo, 13/10