Chile se divide sobre reforma no sistema educacional

Quatro anos após grandes manifestações tomarem as ruas do Chile, a então reivindicada reforma do sistema educacional enfrenta resistência popular.

No fim de janeiro, o governo aprovou no Congresso uma lei que proíbe as escolas privadas que recebem dinheiro público, chamadas de subvencionadas, de selecionar os alunos. Elas também serão proibidas de lucrar com a atividade. A regra entra em vigor no ano que vem.

Mesmo após a aprovação da primeira parte das mudanças prometidas, metade da população olha o projeto com um pé atrás.

O assunto está empatado na opinião pública: 48% dos chilenos são contra a reforma educacional e 47% a favor, segundo pesquisa mais recente do instituto GFK Adimark, realizada em fevereiro.

As transformações que poderão ocorrer a partir da reforma são a raiz do desacordo. De acordo com analistas, os chilenos desejam uma educação melhor, que reduza a desigualdade social no país, mas não querem colocar em risco os avanços obtidos pela última geração.

O Chile é o país latino-americano com o melhor desempenho no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), da OCDE.

Nos anos 80, ainda sob a ditadura militar, o país criou um sistema em que o governo passou a bancar o ensino de crianças e jovens, não importando se elas estavam matriculadas em escolas públicas ou particulares. O financiamento era feito de acordo com a frequência do aluno.

A mudança provocou uma debandada do sistema público, a cargo dos municípios. De uma cobertura de 80% dos estudantes em 1981, essas escolas atendem hoje a pouco mais de um terço.

Mas isso também produziu uma enorme desigualdade. Para ter acesso às melhores escolas, os alunos passaram a ter que se submeter a seleções rigorosas, além de pagar uma mensalidade adicional.

Em janeiro, quando o Congresso deu aval à parte inicial da reforma, os donos de colégios particulares afirmaram que muitos fechariam as portas, mas isso ainda não aconteceu. Mais de cem escolas privadas foram abertas em 2014, de acordo com o Ministério da Educação chileno.

“É difícil estimar quantos vão preferir sair desse segmento, mas acredito que a grande maioria dos empresários se adaptará às novas regras”, afirma a pesquisadora do CEP (Centro de Estudios Públicos) Sylvia Eyzaguirre.

Afora a discussão sobre o lucro significar ou não abuso econômico, a pesquisadora atribui parte da insatisfação popular ao que considera erro de estratégia do governo.

“O lógico deveria ter sido primeiro fortalecer a educação pública, que é mal avaliada pelas pessoas, e não debilitar o ensino particular subvencionado”, afirma.

Para o pesquisador do Ceppe (Centro de Estudios de Políticas y Prácticas en Educación) Alejandro Carrasco, porém, não seria possível fortalecer o ensino público com a concorrência “desigual” das escolas privadas.

“Os colégios municipais atendem à população com mais desvantagens socioeconômicas e, por isso, têm menos recursos à sua disposição. Eles não cobram mensalidade adicional e seus alunos têm frequência escolar mais variável, o que também afeta o financiamento que recebem do governo.”


Mariana Carneiro – Folha de S. Paulo