Em entrevista, deputado federal defende 8% do PIB para educação.

UNE e movimentos sociais continuam na luta pelos 10%

Nos últimos meses, ele tem se debruçado sobre pilhas de documentos, conversado pouco com a imprensa e foi obrigado a adiar, por três vezes, a entrega do trabalho para o qual foi designado: analisar as mais de três mil emendas (sendo 63 delas da UNE) apresentadas ao projeto de lei mais questionado e revisado do país desde a Assembléia Constituinte de 1988. O deputado federal Ângelo Vanhoni (PT-PR), que conversou com o site da UNE, é o relator do Projeto de Lei 8035/2010, que implementa o novo Plano Nacional de Educação (PNE) no país.

Trata-se de um conjunto de metas, do governo federal, que definirão as políticas públicas para esse setor pelos próximos 10 anos. A pauta, apesar de obviamente figurar entre aquelas de prioridade máxima para a agenda nacional, infelizmente tem passado ao largo dos empobrecidos destaques da chamada grande imprensa brasileira.

Nesta entrevista exclusiva ao site da UNE, Vanhoni não se furtou a tocar o centro nevrálgico deste debate, o investimento em educação pública no país: “O nosso substitutivo calculou que 8% do PIB são suficientes e possíveis para o investimento educacional”, defende.

Não é a opinião da União Nacional dos Estudantes e outras entidades do movimento estudantil, que junto à maioria absoluta das entidades do movimento social, professores e a sociedade em geral, continua a grande campanha por, pelo menos, 10% do PIB brasileiro investido diretamente na melhoria das escolas, remuneração de professores, infra-estrutura, metodologia, pesquisa e desenvolvimento do ensino público no país. A UNE e a UBES, inclusive, mantém há uma semana um acampamento em frente ao Congresso Nacional para defender a bandeira dos 10%.

O relator do PNE elogia a bandeira dos 10%, mas se mostra preocupado com a execução da medida, principalmente no que diz respeito à responsabilidade tangente aos estados e municípios: “É preciso mais do que o apoio da sociedade civil, é preciso que os prefeitos e governadores abracem esta causa, pois terão que aportar bem mais recursos do que parecem estar dispostos a fazer”, argumenta.

Mediador entre os movimentos sociais, parlamentares e o governo, Vanhoni também fala sobre outros aspectos do PNE, como a sua relação com as resoluções da última Conferência Nacional de Educação e a previsão para a votação do projeto em Plenário. Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Como o senhor avalia a situação da educação pública no Brasil atualmente?

Na última década, crescemos muito quantitativamente, mesmo com a necessidade de ainda ampliarmos mais, especialmente na educação infantil, na educação profissional e no ensino superior. Nossos problemas de quantidade ainda são mais graves na maior dívida educacional do Brasil: a educação de jovens e adultos. Temos 28 milhões de pessoas com mais de 15 anos de idade que não sabem ler/escrever ou que não completaram as 4 séries iniciais do ensino fundamental. Assim, é preciso uma política mais efetiva para superar este quadro.

No que tange à qualidade, fala-se muito mal da escola pública, e ainda que a situação realmente seja complexa, avalio que parte disto é derivado do fato de que incluímos mais pessoas, massificamos o acesso, sem a devida preparação e cuidado com as condições de qualidade. A valorização profissional dos professores da educação básica, a constituição de políticas de infraestrutura escolar e educacional, o investimento da reorganização de currículos mais atuais e conectados à realidade brasileira, podem contribuir para superar esse panorama.

Desde a Assembléia Constituinte de 1988, um projeto de lei nunca foi tão questionado pelos parlamentares, com número tão grande de emendas e propostas apresentadas como o projeto do Plano Nacional da Educação 2010-2020. Por que tanta mobilização acerca do PNE?

Pelos desafios que a situação educacional brasileira apresenta e pela importância que a educação ganhou para o desenvolvimento cultural e econômico no Brasil.Olhamos para a educação como um campo determinante para que o Brasil e os brasileiros consigamos melhorar em todas as áreas. Isto é importante porque passaremos a deixar de considerar a educação um gasto, vendo-a agora como um investimento.

Grande parte das propostas apresentadas dizem respeito à meta 20 do projeto, sugerindo que o investimento público em educação no Brasil seja de 10% do PIB. A UNE lançou um abaixo assinado e campanha nacional em defesa desse valor. Na opinião do senhor, quantos % do PIB devem ser investidos em educação? Por que?

O nosso substitutivo calculou que 8% do PIB são suficientes e possíveis para o investimento educacional. A luta pelos 10% é importante e todos queremos mais recursos para a educação, porém, precisamos compreender que o Brasil tem muitas demandas sociais e de infraestrutura. O aumento dos atuais 5% do PIB para 8% representa algo perto de 120 bilhões de reais a mais por ano para a educação e isto é um grande avanço para a educação nacional, na esteira dos avanços que vimos conquistando nos últimos anos, com o governo do presidente Lula e agora da presidenta Dilma.

Porque não há consenso entre a classe política e governo federal em torno dos 10%? Quais seriam os argumentos contrários aos 10%?

Os 10% são bandeira de luta do movimento social e isto é importante que assim seja. Todavia, é preciso que o investimento, numa perspectiva de um planejamento responsável, considere as reais capacidades de se ampliar o investimento educacionais, pois pouco adianta estabelecer uma meta que não tem condições operacionais para ser cumprida. Os 10% implicam em comprometer muito a receita dos estados e, especialmente, dos municípios. É preciso mais do que o apoio da sociedade civil, é preciso que os prefeitos e governadores abracem esta causa, pois terão que aportar bem mais recursos do que parecem estar dispostos a fazer… Ademais, poucas são as propostas de 10% do PIB que fizeram contas realmente e que garantam que, para além da exeqüibilidade, este é o valor necessário e justo.

Em relação às responsabilidades pela educação no Brasil, o senhor acredita que é justa a divisão de obrigações e investimentos que cabem à União, a estados e municípios? Seria interessante rever a participação de cada um desses entes? Como?

É preciso que a União participe mais ativamente da educação básica no Brasil. Os governos estaduais tem uma longa trajetória e, por isto, experiência na oferta deste nível de ensino, o que se traduz um competência técnica para tal oferta, mesmo que, por vezes, sem os recursos financeiros suficientes. Já os municípios, em sua maioria, não tem capacidade financeira, nem técnica para operar na educação básica. Por isto, o papel da União é decisivo. É ela a responsável por garantir o apoio, especialmente aos municípios, tanto financeira quanto tecnicamente para o atendimento ao direito à educação que tem a população.

O objetivo do PNE era o de atender às resoluções da última Conferência Nacional de Educação. Na opinião do senhor, esse objetivo está sendo atendido? O que afasta e o que aproxima o PNE do documento final da conferência? Haveria como ser mais fiel? Por que?

É o contrário: a CONAE foi realizada com o intuito de dar suporte ao PNE. E, em boa medida, isto está contido no substitutivo, que avançou bastante em relação ao PL 8035/2010. Todavia, a CONAE, como espaço amplo de participação social, não tinha a preocupação (e de resto, acho mesmo que nem tinha que ter!) de pensar nas dificuldades políticas, financeiras e administrativas para a construção e implementação do Plano. A CONAE foi um espaço de debate e proposição, que permitiu amplo aprofundamento nas questões mais detalhadas da educação, as quais se constituem como teses que todos perseguimos, como a ampliação da democracia, da cidadania, etc. Mas, nem sempre essas teses são factíveis em curto espaço de tempo e/ou em um plano decenal. Avalio que futuras conferências têm o papel de monitorar o PNE e propor ajustes e correções de rumo, bem como, ao final da década, têm a tarefa de recomeçar o processo. Entendo mesmo que o grande ganho da CONAE foi a mobilização social e a construção de uma perspectiva democrática de construção da política educacional.

O primeiro PNE, que foi criado para o período 2001-2010, é considerado um fracasso por especialistas e entidades ligadas à educação, entre elas a UNE. Quais são, no seu entender, os principais avanços deste segundo plano em relação ao primeiro? Há como garantir que ele será mais eficiente que o outro? Por que?

A primeira virtude deste plano é o seu formato mais enxuto e direto. A apresentação de apenas 20 metas bem objetivas torna mais fácil o controle social para garantir que o Estado cumpra com o seu dever educacional. Ademais, entendo que, diferentemente do que ocorreu dez anos atrás, este plano foi, desde o início, mais consensualizado, pois a trajetória de construção foi mais articulada entre Estado e Sociedade Civil.

No que tange às metas propriamente ditas, avançamos quantitativamente na proposição de atendimento ao ensino médio, EJA, educação profissional e ensino superior. Assim, como fizemos uma proposição muito mais objetiva de valorização e qualificação dos profissionais da educação básica do que o texto de 2001.

Quando, na opinião do senhor, o PNE será votado? Quais são os principais pontos que ainda precisam ser resolvidos para a sua votação?

Fizemos boas conversas com todos os deputados da Comissão Especial e estamos todos imbuídos, ainda que com diferenças ideológicas e mesmo técnicas e operacionais, em votar o melhor PNE para o Brasil. O relatório foi lido e agora receberemos as emendas nas próximas 5 sessões, sendo assim o projeto só deve ser analisado pelos senadores após o recesso parlamentar, a partir de fevereiro ou março. Logo após retorna a Câmara, onde será finalizado. Entrará em vigor imediatamente após sanção da presidenta.