Estados Unidos querem ampliar parceria espacial com Brasil

O cientista John P. Holdren, assessor do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, defende cooperação para lançar satélites de observação da Terra

BRASÍLIA – O governo dos Estados Unidos quer fortalecer a parceria com o Brasil na área espacial, de olho no lançamento de satélites e na pesquisa sobre mudanças climáticas. Quem afirma é o cientista John P. Holdren, assessor direto do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para as áreas de ciência e tecnologia. Ele participa da terceira reunião da comissão mista de cooperação científica entre os dois países, no Itamaraty. A agenda de Holdren incluiu encontros com os ministros Marco Antônio Raupp (Ciência e Tecnologia), Aloizio Mercadante (Educação) e uma palestra na Universidade de Brasília (UnB), onde concedeu ao GLOBO a seguinte entrevista:

GLOBO: Quais são as novas áreas de cooperação científica em que Brasil e Estados Unidos poderão se engajar?

JOHN P. HOLDREN: Há algumas áreas que precisamos fortalecer. Uma é a cooperação no espaço, particularmente na observação da Terra. Isto é, satélites que captam imagens e dados sobre o que está acontecendo na Terra. Estamos propondo novas iniciativas na observação da Terra e também no monitoramento da chuva, o que é importante para entender o que está acontecendo no ciclo hidrológico. O que, por sua vez, afeta a disponibilidade de água e as estiagens. Precisamos entender melhor a interação da mudança climática com o ciclo hidrológico. São temas muito importantes para o Brasil e os Estados Unidos.

O que mais?

HOLDREN: Outra área na qual queremos estender nossa cooperação é na prevenção e resposta a desastres naturais. Nossos países são vulneráveis a diferentes tipos de desastres nacionais, como enchentes, terremotos, deslizamentos. Precisamos melhorar. Mas também queremos expandir nossa cooperação em agricultura sustentável e biocombustíveis avançados, que é uma área na qual o Brasil é o líder mundial. Gostaríamos de aprender com o Brasil e dividir algumas coisas que estamos fazendo agora.

Sobre a cooperação espacial, os EUA pretendem lançar um satélite conjunto com o Brasil?

HOLDREN: Os detalhes precisam ser discutidos. O administrador da Nasa (agência espacial americana), Charles Bolden, esteve aqui no ano passado. E as discussões continuam sobre o quanto somos capazes de fazer juntos. Não quero especular sobre quais seriam os detalhes finais, exatamente no que consistiria essa colaboração. Se eu fizesse isso, estaria entrando no território do meu colega Bolden. Mas conversei com ele e nós dois estamos convencidos de que existem boas possibilidades de expandir o que estamos fazendo com o Brasil no espaço. E que gostaríamos de ver isso acontecer. Sei que nossos dois presidentes também já discutiram isso e vão discutir de novo.

O sr. veio ao Brasil tratar de algum projeto em especial?

HOLDREN: Vim porque estamos tendo um encontro da comissão mista Brasil-EUA em cooperação científica e tecnológica. E essa comissão, que eu presido no lado americano e o ministro (de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antônio) Raupp preside no lado brasileiro, é responsável por supervisionar toda a cooperação científica e tecnológica entre os EUA e o Brasil. Ao mesmo tempo, identificar áreas que possam ser fortalecidas, áreas que devem ser acrescentadas. A agenda para nosso encontro de dois dias é muito grande. Inclui revisar tudo o que já aconteceu e identificar novas coisas que precisam acontecer. Eu não vim com nenhuma coisa específica em mente.

São tantos tópicos que a gente se pergunta qual será o resultado…

HOLDREN: O que vai sair disso? Um das coisas que você precisa entender é que esse tipo de encontro de comissões mistas somente ocorrem a cada dois ou três anos. A ação real se dá na colaboração específica que, nesses encontros, nós identificamos, revisamos e decidimos ampliar. É para ser uma encontro vasto, no qual revisamos tudo. Mas se você falar com as pessoas envolvidas na colaboração em agricultura, saúde, educação… Venho para ajudar, com meu colegas americanos e brasileiros, a fomentar todo o sistema de cooperação entre o Brasil e os EUA.

Em relação ao programa brasileiro Ciência sem Fronteiras, serão anunciadas novas vagas para estudantes brasileiros nos EUA, durante a visita da presidente Dilma Rousseff a Washington, em abril?

HOLDREN: Haverá anúncios adicionais, mas eu não vou contar o que será, porque eu seria demitido.

Como a crise econômica afetou a produção científica nos EUA?

HOLDREN: A crise econômica e a necessidade de reduzir o déficit federal congelaram o orçamento federal. O presidente Obama prometeu, dois anos atrás, que o orçamento discricionário seria congelado. E ele cumpriu o compromisso. Isso representou obviamente uma restrição a quais programas poderiam ser lançados, quais poderiam ser expandidos. Para fazer algo novo, você tem que cortar um antigo. Mas o presidente é tão comprometido com a importância de manter investimentos em pesquisa, infraestrutura e educação de ciência e matemática que essas áreas continuaram a crescer. E o presidente fez escolhas difíceis sobre quais outras áreas seriam reduzidas para ser capaz de aumentar o financiamento de pesquisa básica, pesquisa aplicada. O novo orçamento teve uma elevação de 5% para pesquisa civil básica e aplicada. Estamos trabalhando duro também para aumentar as parcerias com o setor privado. Para que o setor privado faça mais. E essas parcerias incluem a educação de ciência e matemática. Os setores privado e filantrópico destinaram US$ 750 milhões para fortalecer o ensino de matemática e ciência nas escolas.

E por que estão fazendo isso?

HOLDREN: Em parte, as companhias estão fazendo isso porque enfrentam problemas para contratar o pessoal tecnicamente treinado de que precisam. Elas não encontram cientistas, engenheiros e técnicos. Embora o desemprego nos EUA esteja ainda acima de 8%, há empregos não preenchidos. Porque trabalhadores com a adequada formação em ciência, engenharia e matemática não estão sendo produzidos com a rapidez necessária. O setor privado, ao perceber esse problema de mão-de-obra, está disposto a ajudar, o que é extraordinário. Nós temos cem CEOs das maiores corporações, como Google, Microsoft e GE, participando de um esforço chamado “Mude a Equação”, que consiste em trabalhar para melhorar o ensino de matemática e ciência no ensino fundamental e médio. Mas estão fazendo isso no seu próprio interesse e no interesse do país. Precisamos de mais cientistas, mais engenheiros, mais matemáticos e trabalhadores com formação técnica.