FURG recebe pessoas da América Latina para ensinar sobre cultivo de camarões

Universidade é referência mundial no sistema de bioflocos. Curso realizado pela EMA está na 18ª edição

Foto: Hiago Reisdoerfer/Secom

 

 

No Balneário Cassino, um curso reúne pessoas vindas de diversos pontos do país. Capixabas, paulistas, baianos, cariocas, paraenses, pernambucanos, mineiros, entre empresários e pesquisadores de outros estados deslocaram-se a Rio Grande para um curso de três dias sobre cultivo de camarão em sistema de bioflocos.

Estrangeiros também compõem a plateia, vindos do Peru e da Colômbia. “Vim de longe para o curso para ter contato com os autores que são referência bibliográfica no tema”, disse um pesquisador do Pará durante a apresentação dos participantes. E esse era um sentimento compartilhado entre muitos dos presentes. “A gente lê os artigos e quer vir para cá”, conta Mariana Holanda, pesquisadora que faz seu pós-doutorado na FURG, vinda do Recife.

A FURG é referência internacional no estudo do sistema de bioflocos para a carcinocultura – a produção de camarões. As técnicas desenvolvidas e testadas na Estação Marinha de Aquacultura (EMA), localizada no balneário Cassino, são resultado de anos de estudo sobre o tema. Os experimentos com camarão começaram na década de 1990, em cercados na Lagoa dos Patos. A partir dos anos 2000, o cultivo migrou para viveiros.

Parceria internacional

Entre 2004 e 2005 a experiência com carcinocultura na FURG mudou drasticamente. O professor Wilson Wasielesky Junior foi à Carolina do Sul, nos Estados Unidos, em viagem que deu início a uma parceria com o Waddel Mariculture Research and Development Center. “Por que fomos à Carolina do Sul?”, pergunta ele, retoricamente, durante a apresentação do Projeto Camarão no curso de bioflocos, para em seguida engatar a resposta: “Eles estão a 32de latitude ao norte e nós a 32o no sul”, de modo que há muitas semelhanças entre as duas regiões.

No início dos anos 2000, o projeto desenvolvido nos Estados Unidos tinha como resultado uma produção muito maior por área de cultivo em relação à que era realizada no Brasil. Lá, eles já usavam o sistema de bioflocos, que consiste, de forma geral, na transformação de compostos nitrogenados presentes na água do cultivo, tóxicos aos camarões, em biomassa. Assim, o que antes era tóxico, serve de complemento à alimentação dos camarões. Esse processo é feito com a adição de fontes de carbono no sistema de cultivo, a exemplo de melaço, farelo, entre outros.

Adaptação ao cenário brasileiro

A experiência do Waddel Mariculture Research and Development Center inspirou os pesquisadores da FURG, mas o sistema de bioflocos foi adaptado para a produção brasileira, já que o custo era elevado. Nessa adaptação, se pensou num sistema sem renovação de água, sem efluentes e mais biosseguro. Não poderia ter dado mais certo. “O que a gente fez foi adaptar às nossas condições. Tudo que tinha de bom lá fora que a gente não consegue trazer para cá, foi deixado de fora. A gente está trabalhando com o que a gente tem aqui dentro do país, dentro das nossas possibilidades”, conta o professor Luiz Poersch.

De 2005 a 2012, com muitos resultados positivos, a experiência chamou a atenção de pesquisadores e de produtores de diferentes lugares do país e da América Latina, que vinham a Rio Grande conhecer o trabalho. Foi aí que a equipe da EMA propôs a realização do curso para o cultivo em sistema de bioflocos, que está realizando sua 18ª edição entre 10 e 12 de dezembro. No total, já foram mais de 600 participantes.

“Hoje a FURG é o centro de referência no mundo. Se você pegar as publicações sobre bioflocos, tinha 10 artigos até 2009. De 2009 até 2019 teve 100 publicações. A maior parte delas foi feita aqui. A gente tem um volume muito grande de trabalho, de investimento, nessa linha”, relata Poersch.

Atualmente, a produção na EMA é de 65 toneladas de camarão por hectare, um ganho significativo em relação aos sistemas tradicionais. Como os bioflocos alimentam os camarões, o investimento em ração também é menor, o que representa um ganho quando se pensa em escala. Além disso, no sistema, a densidade de camarões por metro quadrado é maior e, ainda, a taxa de mortalidade menor.

A parceria com os pesquisadores da Carolina do Sul segue até hoje e muitas das tecnologias criadas no Brasil foram incorporadas pelos estadunidenses, num intercâmbio que possibilita avanços conjuntos.

Pesquisa a serviço da sociedade

Se parte da audiência do curso é composta por pesquisadores, grande parte dos que buscam por aprendizado no sistema são empreendedores, interessados em aprender para investir na produção de camarão.

Ao mesmo tempo em que recebe gente de todo o país e de fora, o projeto também está com os pés fincados no cenário local. A EMA fornece pós-larvas para produtores locais e também fornece auxílio técnico. Assim, trata-se de uma pesquisa atenta a demandas do setor produtivo e vinculada a problemas reais.

“Ninguém imagina que no fim da Querência (região do Cassino), há um centro desenvolvendo tecnologias que são referência mundial”, completa a pesquisadora Mariana Holanda. Ela fez também seu mestrado e doutorado na FURG e planeja seguir carreira docente. Como ela, muitos estudantes de pós-graduação vêm de diversas partes do país para se formar e seguir a pesquisa na área, em mais uma contribuição do projeto e da FURG à sociedade: a formação de pesquisadores.