Futuro em jogo

Do premiado diretor Davis Guggenheim, documentário investiga estado atual da educação pública nos EUA e prevê soluções em parcerias com o setor privado

“Waiting for “Superman”” (esperando pelo super-homem) é um filme tipicamente hollywoodiano. Temos um vilão (os sindicatos de professores, apontados como principais responsáveis pela falência das escolas públicas nos EUA) e um herói (educadores-empreendedores que tocam as “charter schools”).

“Charter schools”, para quem não sabe, são escolas de ensino fundamental e médio administradas por associações, universidades ou empresas. Elas funcionam com fundos públicos e, por isso, não podem cobrar mensalidades. Mas, como são reguladas por contratos de gestão (“charters”), têm mais liberdade que os colégios da rede oficial para administrar seus recursos e contratar e demitir professores. O Brasil tem um modelo parecido na área de saúde, com fundações privadas administrando hospitais públicos.

É sob esse enfoque meio caricatural que Davis Guggenheim (o mesmo diretor de “Uma Verdade Inconveniente”) conta as histórias de cinco crianças que tentam escapar ao que o documentário descreve como fracasso da educação pública norte-americana buscando uma vaga numa “charter school”. Por lei, quando há mais candidatos do que vagas nessas instituições, elas são obrigadas a realizar sorteios.

MEIA VERDADE
Cineasta competente, Guggenheim faz com que nos envolvamos com os garotos e seus familiares. A apoteose vem no final do filme, quando são realizados os sorteios e nós nos pegamos torcendo pelos personagens.

O problema com esses esquemas maniqueístas é que eles funcionam bem em Hollywood e nas nossas cabeças, mas não na realidade.

E, para ajustá-la a seu roteiro, Guggenheim acabou cometendo alguns pecadilhos.

Para começar, nem é verdade que as escolas públicas americanas sejam tão ruins nem é verdade que as “charter” sejam tão boas. Como a educadora Diane Ravitch mostrou numa crítica arrasadora ao filme que escreveu para “The New York Review of Books”, é falsa a alegação da película de que 70% dos alunos do 8º ano estão com o nível de leitura abaixo do esperado para a série.

ESTATÍSTICAS
De acordo com Ravitch, Guggenheim se valeu de uma base de dados que usa uma terminologia confusa, que dá margem a essas dificuldades. Se ele quis referir-se, como parece, à porcentagem que apresente nível abaixo do básico, o número correto é 25%. É um desempenho bastante ruim, mas menos do que o catastrófico sugerido pelo diretor.

Em relação à qualidade das “charter schools”, as estatísticas também são problemáticas, como aponta Ravitch, uma antiga defensora da ideia que mudou de lado.

O filme diz muito de passagem que uma em cada cinco dessas instituições apresenta “resultados extraordinários”. Não chega a ser uma mentira, mas os dados mais precisos pintam um cenário um pouco diferente.

O estudo Credo, que avaliou o desempenho dos alunos em matemática em metade das 5.000 “charter schools” dos EUA, mostrou que 17% delas tinham resultados superiores ao da média das escolas públicas; 37% se saíram pior; e as 46% restantes empataram.

Daí se depreende que teria sido perfeitamente possível fazer um filme em que as “charter” figurassem como vilãs e alguns diretores de escolas públicas selecionadas fossem os heróis. O mundo quase sempre é um lugar mais complexo -e mais rico- do que querem nossas inclinações ideológicas.

MAIS EFICIÊNCIA
Não se segue dessas observações que todas as teses levantadas no filme estejam incorretas. As “charter” podem ser mesmo uma forma inteligente de gerar um pouco de concorrência no sistema, o que poderia torná-lo mais eficiente (ideia que vale inclusive para o Brasil). Também é verdade que, tanto nos EUA como aqui, entraves burocráticos, especialmente a dificuldade para contratar bons professores e livrar-se dos maus, acabam comprometendo os resultados.

A questão central é que a escola é só uma parte (relativamente pequena) das variáveis que determinam o sucesso ou fracasso do aluno. O professor, por exemplo, tão enaltecido por Guggenheim, responde estatisticamente por algo entre 10% e 20% dos resultados. Cerca de 60% são explicados por variáveis extraescolares, como a renda e o “background” familiar (leia-se, o empenho dos pais em fazer o filho estudar).

De posse dessas informações, é fácil criar uma fórmula para o sucesso: a escola que, por uma razão qualquer (propaganda, acaso etc.), tiver um resultado um pouquinho melhor, atrairá a atenção dos pais mais comprometidos com a educação dos filhos, mesmo que não tenham renda elevada. Como esses alunos tendem a se sair melhor nos testes do que crianças da vizinhança cujos pais não se preocupam, a escola se sairá melhor, atraindo mais pais interessados.

Isso é ótimo para a escola e seus alunos, mas não é uma solução para o sistema, que precisa dar conta de todas as audiências, inclusive as crianças pobres cujos cuidadores não estão nem aí para a educação. Esse é o elo mais fraco da corrente, e é justamente para ele que a escola pública universal adquire maior importância, sendo sua melhor chance.

Ignorar (ou esconder) isso é colocar-se à espera de Mandrake, não de Superman.

WAITING FOR “SUPERMAN”

QUANDO lançamento do DVD ainda não previsto no Brasil

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