Governo prepara reestruturação

Diagnóstico preparado pelo MEC e por reitores conclui que situação das 46 unidades no país é dramática: faltam 30 mil servidores e 10% dos leitos estão desativados por falta de recursos e pessoal

Considerados modelos de excelência pelo Ministério da Saúde, os Hospitais Universitários Federais agonizam com a falta de profissionais e com a escassez de recursos. Um relatório que será apresentado em 28 de maio pelo Ministério da Educação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao qual o Correio teve acesso com exclusividade, mostra que o déficit chega a 30 mil servidores. Com falta de funcionários e de investimentos, os 46 HUFs tiveram de fechar 10% dos seus 10.240 leitos oferecidos em todas as regiões do país.

Em parceria com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o MEC vai propor ao presidente uma série de medidas para tirar os hospitais dessa situação dramática. O Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf) pretende, entre outras medidas, aumentar a participação do Ministério da Saúde na composição do orçamento dos HUFs, a contratação emergencial de 5.443 profissionais, a reativação dos 1.124 leitos fechados e a criação de uma carreira especial, com salários compatíveis aos do mercado, para os funcionários dos hospitais universitários.

De todos os problemas enfrentados pelas unidades, o presidente da Andifes, Amaro Lins, considera a falta de pessoal o mais grave. “A grande defasagem é a de recursos humanos”, diz. As vagas que estão sendo negociadas pelo MEC com o Ministério do Planejamento referem-se apenas ao número de novos profissionais que precisam ser contratados para que os hospitais consigam manter o atendimento. Além disso, entre 2008 e 2009, 2.456 funcionários se aposentaram e, para reativar os leitos fechados, seriam necessários mais 1.919 servidores. Lins lembra, ainda, que 20 mil prestadores de serviço são terceirizados, e que precisarão ser substituídos por efetivos para a completa reestruturação dos hospitais.

Novo financiamento
Para o presidente da Comissão de Hospitais Universitários da Andifes, o reitor Natalino Salgado Filho, da Universidade Federal do Maranhão, é urgente a necessidade de aumentar a participação do Ministério da Saúde no financiamento dos HUFs. Por ano, as 46 unidades recebem cerca de R$ 5 bilhões, sendo que o MEC arca com 69,9% do valor. “É muito pouco para a grandeza e a dimensão desses hospitais”, diz. Para se ter uma ideia, somente um tipo de tratamento, a terapia renal substitutiva (hemodiálise, transplantes e medicamentos especiais), consome do Ministério da Saúde metade desse valor. “Se nós temos um empreendimento compartilhado, como é o caso dos hospitais, que prestam assistência à saúde da população e formam futuros profissionais da saúde, então fazemos saúde e educação. Nada mais justo que (o financiamento) seja compartilhado”, concorda o diretor de Hospitais Universitários do MEC, José Rubens Rebelatto.

Com o orçamento enxuto, os profissionais, segundo Salgado Filho, se desdobram para manter a qualidade e, ao mesmo tempo, dar conta da alta demanda. Só de transplantes, os HUFs são responsáveis por quase 11% do total realizado no país. Isso, sem contar com o Hospital do Rim e Hipertensão Arterial, da Universidade Federal de São Paulo. Embora seja o maior centro de transplantes de rim do mundo, com média de dois procedimentos por dia, ele não entrou na contabilidade do MEC por ser administrado por uma fundação. “Se já estamos fazendo muito com pouca coisa, imagine o potencial quando existir uma política séria de financiamento”, diz o presidente da Comissão de Hospitais Universitários da Andifes.

Tesouro
Uma das demandas que serão encaminhadas pelo MEC ao presidente Lula é o pagamento, pelo Tesouro, dos plantões médicos, hoje custeados pelos hospitais. O levantamento mostra que, dependendo do porte, alguns HUFs chegam a comprometer 45,18% da receita apenas com salários. Outra ideia, defendida pela Andifes, é que a defasada tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) seja substituída por um orçamento próprio para cada hospital, de acordo com o tamanho, a demanda e os procedimentos realizados.

Para evitar a perda de mais profissionais devido às aposentadorias e a pedidos de demissão, os reitores também querem que a figura do professor equivalente passe a valer igualmente para os HUFs. Essas vagas são criadas por concurso logo que algum professor universitário se desliga da instituição. Com isso, a substituição é automática. Salgado Filho cita a situação da Universidade Federal do Maranhão e da Universidade de Brasília, consideradas as mais críticas em relação à falta de renovação de pessoal. Como o último concurso público para as duas universidades foi realizado em 1975, mais da metade dos servidores concursados já deixaram os hospitais. “No Maranhão, 54% dos profissionais são terceirizados. Estamos perdendo uma força brutal”, constata.

Agradecimentos
Sem saber das dificuldades pelas quais passam as instituições, o aposentado Bernardo Lima Aguiar, 64 anos, se diz encantado com o atendimento recebido no Hospital Universitário de Brasília, ligado à UnB. Ele saiu do Piauí para se tratar no HUB, depois de descobrir um câncer de pulmão. No hospital público da capital piauiense, o médico realizou apenas dois exames e já quis operá-lo. Desconfiado, Bernardo pediu referências e descobriu que o hospital da UnB era um dos melhores do país. Está na quinta sessão de quimioterapia e conta que está se sentindo muito bem. “Não tem o que melhorar aqui. É tudo excelente, me considero um privilegiado”, conta, ao lado da mulher, Maria de França Aguiar Graça.

Prestes a ganhar Ana Beatriz, a doméstica Marlene Almeida, 32 anos, aguardava ontem o atendimento na maternidade do HUB, ao lado do marido, José Ferreira Martins. Desde que descobriu a gravidez, ela se trata no hospital. “Quando vou a Águas Lindas, onde moro, não sou atendida. Aqui, sempre fui muito bem atendida”, diz.

Realidade contraditória

O país possui 46 Hospitais Universitários Federais (HUFs) que, somente no ano passado, realizaram cerca de 6 milhões de consultas. Veja os principais números da rede, que apresenta, ao mesmo tempo, indicadores muito positivos e fortemente negativos:

Há 10.340 leitos ativos e 1.124 desativados nos HUFs

Em 2008, os HUFs realizaram 1.033.671 atendimentos de emergência, 402.836 internações, 6.356.641 consultas e 20.880.230 procedimentos

Em 2008, os HUFs realizaram 2.295 transplantes de medula óssea, fígado, coração, pulmão, rins e córneas, o que corresponde a 10,71% dos transplantes de todo o país no ano

71.806 alunos passaram pelos HUFs em 2008. O total de médicos residentes foi de 4.653

Os HUFs produziram, no ano passado, 1.244 dissertações, 535 teses, 1.986 publicações nacionais, 4.458 internacionais e 5.730 projetos

O Ministério da Educação financiou 69,90% dos recursos dos HUFs em 2008, o correspondente a R$ 2,9 bilhões. O restante, R$ 1,27 bilhão, foi financiado pelo Ministério da Saúde

A dívida dos HUFs em 2008 foi de R$ 235.292.142,02

Os contratos de 21.122 funcionários terceirizados ou contratados por fundações ainda não foram regularizados

3.741 servidores devem se aposentar entre 2008 e 2010, dos quais 996 são auxiliares e técnicos de enfermagem; 319 enfermeiros; e 370 médicos

Há déficit emergencial de 5.443 de profissionais de atividade-fim (médicos, auxiliares/técnicos de enfermagem e enfermeiros), além de 5.715 bioquímicos, farmacêuticos, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas e fonoaudiólogos

Paloma Oliveto – Correio Braziliense