Juiz manda faculdade dar bolsa do ProUni a aluna da rede privada

Pelos critérios do governo federal, benefício só pode ser dado a alunos da escola pública ou com bolsa integral na rede particular

Pagamento de mensalidades "módicas" no ensino médio não descaracteriza pobreza e necessidade da bolsa, diz juiz; cabe recurso à decisão

MATHEUS PICHONELLI
DA AGÊNCIA FOLHA

A Justiça Federal do Paraná obrigou uma faculdade a conceder bolsa do ProUni (Programa Universidade para Todos) a uma aluna da rede particular.
A estudante Rosenalva da Silva Garcia, 37, conseguiu o direito ao benefício para cursar farmácia na universidade particular Unibrasil, em Curitiba (PR). Rosenalva concluiu o ensino médio em uma escola particular, pagando mensalidade, em 1996, o que já a colocaria fora dos critérios estabelecidos pelo governo federal. Só alunos da rede pública ou com bolsa integral na rede particular podem ser selecionados.
Mas o juiz Friedmann Wendpap, da 1ª Vara Federal de Curitiba, desconsiderou o critério, ao julgar que o valor da mensalidade pago à época (R$ 52,79) era "módico" e que ela conseguiu provar que não tinha como arcar com a faculdade.
A universidade havia negado o ingresso, no ano passado, com base nos critérios do ProUni. Cabe recurso à decisão.
Rosenalva estava desempregada quando foi à Justiça. Agora, trabalha em uma farmácia e ganha cerca de R$ 500. Ainda assim, enquadra-se nos outros quesitos: sua renda mensal não ultrapassa os três salários mínimos exigidos pela lei.
Mesmo sem a bolsa, ela fez um ano do curso -financiou, com a ajuda do pai, metade da mensalidade (que teria de pagar depois de formada). Neste ano, não fez a rematrícula porque diz que não teria como pagar. Com a decisão de agora, terá desconto de 50% no curso, cuja mensalidade é R$ 1.080.
O pai, diz a estudante, é aposentado e trabalha em um supermercado, ganhando um salário mínimo. Na época em que fazia supletivo, a mãe, que hoje não trabalha, era costureira e ajudou a pagar os estudos. Ela diz ter estudado em escola particular só por um ano e meio.
O restante, diz, foi cursado em instituições públicas -só mudou para ter mais condições de disputar uma vaga em uma universidade. Ela afirma que, em 1994, ainda no primeiro ano do ensino médio, sua turma ficou três meses sem professores de português e matemática. Ao fim do ensino médio, diz, não tentou entrar na faculdade porque precisava trabalhar.
Na opinião do juiz, o pagamento de mensalidades "módicas" no ensino médio não descaracteriza a pobreza e a necessidade da bolsa. Na decisão, diz que as bolsas do ProUni são "política afirmativa para igualar oportunidades" e devem favorecer candidatos sem condições econômicas.
"O princípio aqui é o republicano, constitucional, que visa promover o bem de todos, afastando a distinção entre nobres e plebeus, poderosos e humildes, ricos e pobres."
O juiz disse ainda que o critério de seleção não pode ser "injusto e de rigidez inquebrantável", mas deve "obedecer a um senso de razoabilidade".

Decisão é surpreendente, diz universidade

DA AGÊNCIA FOLHA

O advogado da Unibrasil, Carlos Eduardo Dipp Schoembakla, disse ontem que a decisão foi "surpreendente", mas que a instituição irá cumpri-la.
"O critério do ProUni é objetivo. Ou você cumpre o que está na lei ou não se enquadra e não poderia ter direito ao benefício. Como está tendo uma repercussão muito grande, acredito que a direção [da Unibrasil] se reunirá com o jurídico para avaliar."
Segundo ele, há a "preocupação do precedente". "Várias outras pessoas se enquadrariam nas condições dessa aluna. Se o juiz for analisar caso a caso, ele acaba desclassificando esse requisito." Seria difícil definir então, diz, o que seria "mensalidade irrisória" -argumento do juiz.
O MEC afirma que vai "estudar melhor o caso" para saber o que fazer. (MP)

Folha de S. Paulo 22/1/2009