No escuro

Política de bônus por resultados aos professores já é adotada em ao menos 11 estados, mas avaliações nacionais são poucas e inconclusivas

No último ano do ensino fundamental, ao menos 43% dos alunos brasileiros já estudavam, em 2011, em redes públicas que adotavam alguma política de pagamento de bônus aos professores condicionado a resultados em sala de aula. Essa conta é de um estudo que foi apresentado na semana passada na VIII reunião da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), de autoria dos pesquisadores da USP Luiz Scorzafave e Tulio Dorigan. O número é certamente maior, pois só foi possível identificar a existência da prática em 11 redes estaduais que, até 2011, já haviam adotado essa política pública. Redes municipais de grande porte que implementaram programas do gênero, caso do Rio de Janeiro, por exemplo, não entraram na conta.

No mundo todo, a remuneração por mérito é um dos temas mais controversos nos debates educacionais. Seus defensores argumentam que é uma maneira de valorizar os melhores professores e incentivar os demais a aperfeiçoarem suas práticas. Seus críticos dizem que os mecanismos de avaliação são imperfeitos e injustos, e não resultam em melhoria do aprendizado.

O país que mais tem implementado e avaliado essas políticas são os Estados Unidos. Mesmo por lá, a evidência de sua eficácia ainda é fraca. Há redes, caso de Nova York, que até já abandonaram a prática depois de estudos identificarem efeitos nulos no aprendizado. Outras, como a de Washington, seguem apostando na política. Pelo mundo, os resultados mais positivos encontrados até agora estão em países mais pobres, casos de Índia e Quênia.

No Brasil, um dos poucos trabalhos já publicados é de autoria de Scorzafave e Cláudia Oshiro. Eles concluíram que, no estado de São Paulo, os bônus geraram ganhos de aprendizado no 5º ano, mas foram nulos no 9º ano, quando os alunos completam o ensino fundamental. Cláudio Ferraz (PUC-RJ) e Barbara Bruns (Banco Mundial) encontraram o oposto ao avaliarem o caso de Pernambuco: impactos positivos no 9º ano, porém nulos no 5º. Para o município do Rio, outro estudo apresentado na reunião da Abave — de Fátima Alves, Gregory Elacqua, Matías Martínez e Humberto Santos — foi também inconclusivo a respeito do impacto da política nas escolas da prefeitura.

Para que as políticas de bônus tenham algum efeito, elas precisam modificar, para melhor, práticas de sala de aula. Se um bom professor continua dando a mesma aula mas ganhando a mais por isso graças a um bônus, enquanto um ruim segue sendo igualmente ineficaz sem receber obviamente nenhum prêmio, a única consequência para o sistema é que estará sendo gasto mais dinheiro. Também na Abave, Antonio Bresolin, da Fundação Itaú Social, apresentou um trabalho que investigou justamente, em oito estados brasileiros, se professores estavam mudando suas práticas após a implementação do bônus, corrigindo mais deveres de casa, sendo melhor orientados por diretores, ou cobrindo mais o conteúdo curricular previsto para o ano. De novo, os resultados foram mistos, em geral com impactos positivos para determinadas práticas em algumas redes no 5º ano, mas sem mudanças visíveis no 9º ano.

O que preocupa no caso brasileiro é que a política tem se expandindo rapidamente sem que tenhamos um número suficiente de avaliações rigorosas para corrigir rumos. Como em todo debate fortemente influenciado pela ideologia, haverá sempre quem atacará ou defenderá cegamente o bônus. Mas o que importa mesmo é saber se os alunos estão se beneficiando dele. Para isso, ainda não temos clareza.


Antônio Gois – O Globo