O Brasil na contramão da história

No começo desta última crise econômica mundial, o presidente Barack Obama declarou, e repetiu recentemente, que a saída para os EUA seria por meio de inovação, pesquisa, ciência e tecnologia.
O Reino Unido optou pela mesma solução, não reduzindo investimentos em pesquisas. Também o Japão e a Coreia do Sul acentuaram seus apoios à ciência e à tecnologia.

A China, com a redução de suas taxas de crescimento e perspectivas pouco otimistas para o futuro próximo, acaba de anunciar que aumentará em 40% o investimento em ciência fundamental e em 35% o em ciência aplicada.

Isso é mais do que natural, pois uma das mais importantes razões da perda de mercados, seja no setor agropecuário, seja no industrial, e mesmo na maioria dos setores de serviços, é a falta de competitividade, que só pode ser revertida com pesquisa em ciência e tecnologia.

A inovação é hoje uma consequência direta das atividades de pesquisa em ciência pura e aplicada. Pesquisa, obrigatoriamente, exige investimentos. Pois bem, na contramão da história e do bom senso, ou melhor, do senso comum, o governo brasileiro cortou 26% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para 2016.

Também neste ano, outra redução levou o corte total a 38%. Não fosse suficiente, o Ministério do Planejamento propõe mais um corte de 18%. Tudo somado, teremos uma redução de mais de 50% nas atividades de pesquisa no Brasil.

Contra tudo o que a história nos ensina, o ministério, que deveria pensar em mecanismos para a retomada do crescimento, torna impossível a sobrevivência nacional do sistema de ciência e tecnologia e, como consequência, compromete seriamente a competitividade da indústria nacional.

Como se não bastasse essa absurda cegueira medievalesca, o Congresso Nacional ainda consegue cortar cerca de 30% do restante dos orçamentos das organizações sociais do Ministério da Ciência, a mais bem-sucedida fórmula organizacional para a pesquisa.

Recentemente, os EUA, reconhecendo a enorme importância que terão em futuro imediato, se já não a têm agora, a nanotecnologia e a nanociência para a competitividade de sua indústria, assumiu um programa neste segmento específico da pesquisa que custará US$ 2,5 bilhões em cinco anos.

Ora, há pouco mais de três anos começou o nosso ministério a se interessar por esse setor de ciência e tecnologia, o que resultou no lançamento de um programa que recebe hoje R$ 10 milhões por ano. Ou seja, não é muito mais do que um apoio puramente simbólico que o governo dá às tecnologias mais importantes para o futuro.

Essas e outras observações demonstram claramente que tanto o governo como a sociedade brasileira veem a atividade em pesquisas como uma necessidade de status de uma nação soberana, ou talvez como um componente importante da civilidade. Entretanto, ainda não percebem que ciência e tecnologia tornaram-se imprescindíveis instrumentos de competição em um mercado globalizado.

A recente reunião do Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) mostra isto claramente. Nenhum dos oradores, cin ministros e representantes da sociedade civil mencionou sequer ciência e tecnologia. Somente a presidente Dilma Rousseff o fez, brevemente embora.

O Conselhão é composto por 47 empresários, 28 sindicalistas, dois religiosos e alguns representantes diversos, dentre os quais apenas dois, poder-se-ia dizer, representam a comunidade de pesquisa.

O Ministério da Ciência continua sendo tratado como quarto de despejo. Como se ciência e tecnologia fossem apenas fachadas, sem importância econômica para o país. Quando será que vamos nos livrar desse obscurantismo?

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 84, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha