O espelho dos EUA e a universidade nacional

Convém olhar o modelo dos EUA por dentro; a sedução dele raramente é acompanhada pelo conhecimento das suas verdadeiras engrenagens

No dia 22 de junho, neste espaço, Rogério Cezar de Cerqueira Leite lançou uma provocação: como a universidade brasileira pode subir no “ranking” de qualidade?

Para o físico brasileiro, a resposta aponta para os Estados Unidos e para a Inglaterra.

Sua vantagem estaria em que, nas mais qualificadas universidades desses países, (1) o órgão colegiado supremo é formado por membros externos à academia, (2) a escolha de reitores está protegida da força da “corporação interna”, (3) há mecanismos de proteção à “endogenia”, com escolha de professores titulares de fora da própria universidade, e (4) a estabilidade se alcançaria apenas no fim da carreira.

A sedução dos modelos estrangeiros raramente é acompanhada pelo conhecimento de suas engrenagens. Não há dúvida de que a academia dos EUA é, no geral, mais eficiente que a brasileira.

Contudo, o elogio desse ambiente supostamente menos personalizado (protegido do perigo da “endogenia”) resulta, quando se olha para o caso brasileiro, no aviltamento das instâncias internas de decisão, como se fazer política dentro da universidade fosse tarefa espúria, limitada a “grupelhos” de professores improdutivos.

A alternativa seria, então, abrir a universidade e romper a sua lógica endogâmica. Segundo Cerqueira Leite, as instituições de pesquisa em mira têm, como órgão decisório máximo, um pequeno grupo de “cidadãos prestantes externos à universidade”. Trata-se do “board of trustees” (algo como o conselho das empresas estatais no Brasil).

Porém, os “trustees” (reveladora expressão!) são ex-alunos que se tornaram excelentes em suas profissões e que não raro fizeram fortuna, literalmente.

Esta, a verdadeira lógica endogâmica da universidade nos EUA: o martelo que bate e aprova as monumentais decisões orçamentárias pertence a ex-alunos, o que faz com que toda a máquina funcione para agradar os alunos de hoje, que serão os doadores e os “trustees” de amanhã. Endogenia pura, mediada pelo dinheiro.

Mas as decisões que chegam à mesa dos “trustees” são tomadas por um grande colegiado de professores, que em universidades mais aguerridas é chamado de “Senado”. Não se faz ciência sem política.

Outra ilusão é pensar que a carreira docente estaria protegida da endogenia. No entanto, a notória mobilidade dos acadêmicos nos EUA não impede o favorecimento de grupos e de agendas internas aos vários campos do saber.

A contratação de um colega “senior” se dá a partir de uma decisão interna dos membros “senior” de um departamento, a ser corroborada pelo órgão colegiado por uma consulta externa a membros do “campo”. Um misto de ingerência “externa” e “interna”, portanto.

Já a noção de que nas universidades americanas o docente só alcança estabilidade “no fim da carreira” é simples engano. Como no Brasil, há um período probatório, em geral de seis anos, antes que se ganhe esse selo vitalício.

A diferença é que o período probatório é para valer, existindo aí julgamento “externo”, com consultas sigilosas a colegas de outras universidades. Já a justiça desse sistema de promoção é em si um tema espinhoso.

Em suma, se os vizinhos ao Norte nos oferecem um modelo, convém olhá-lo por dentro. Do contrário, seremos vítimas da ilusão de que nossa histórica ineficiência é o inverso da eficiência que atribuímos a eles.

Como se o mundo, ao Sul, estivesse de ponta-cabeça.

PEDRO MEIRA MONTEIRO é professor de literatura brasileira na Universidade Princeton (EUA) e autor de “Um Moralista nos Trópicos” (Boitempo).