O roto e o rasgado

Não apenas os ministérios e governos mas também os ditados populares necessitam, vez ou outra, de renovação. Seria pouco dizer simplesmente, a respeito das cenas presenciadas na quarta-feira (18) na Câmara dos Deputados, que o roto se ria do rasgado.
Entre Cid Gomes, Ministro da Educação que viria a ser demitido em seguida, e os congressistas presididos por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), as altercações e enfrentamentos foram além do que se descreve no clássico bordão.

O roto rasgou o rasgado ainda mais, o esfarrapado esfarrapou os andrajos do andrajoso, e estranhamente as partes em conflito cantaram vitória após a rinha deplorável.

Cantou vitória, naturalmente, a ave mais alta do triste galinheiro. O presidente da Câmara pareceu derrubar mais um nome governista, em tempo recorde. Depois de vetar o deputado Henrique Fontana (PT-RS) como líder da presidente Dilma Rousseff (PT), fulminou o Ministro da Educação -aliás, com bons argumentos.

Mais uma vez, Cunha pôde transfigurar em defesa da instituição o que, de outro ponto de vista, surge como mera pressão fisiológica sobre um governo atônito e destituído de um mínimo de competência.

Cid Gomes havia qualificado de achacadores os deputados que negociam com o governo. Termos impróprios nem sempre são os mais mentirosos, mas cumpria ao ministro, sem dúvida, penitenciar-se pela estouvada generalização.

Todavia, o mea-culpa anda em desuso na política brasileira -mesmo porque ninguém faria outra coisa se quisesse adotá-lo a sério.

Confrontado com acusações a que não poderia responder de forma convincente (como a de que pagou R$ 650 mil para um show de Ivete Sangalo na inauguração de um hospital), o ex-governador do Ceará redobrou seus ataques.

Não era difícil, quando se sabe que Eduardo Cunha está sob investigação no escândalo da Petrobras. Não era ilógico, quando se sabe que seu partido (PMDB) ocupa vários ministérios, mas negaceia apoio às medidas de ajuste econômico do governo ao qual pertence.

Mas não foi nada bonito, quando se percebe que, a caminho de sua demissão pela presidente da República, Cid Gomes confere a si mesmo e a seu partido (o PROS) uma aparência de desassombro a recobrir subserviências governistas.

Tratava de abandonar um barco que naufraga, acusou um deputado. Sobraram, de fato, indícios de que Cid Gomes agia de maneira personalista, preocupado em exibir-se a seu público como defensor intransigente da moralidade política. Ele sai, mas persiste a crise.

Uma crise de credibilidade a pesar sobre o Executivo e o Congresso, cujas dimensões são bem maiores do que as da escaramuça, tão lamentável quanto instrutiva, da última quarta-feira. É a Pátria Educadora mostrando as coisas da política como elas são.

Folha de S. Paulo