Trabalho e educação podem recuperar 70% dos presos

Responsável pelas vagas em SP diz que é mais fácil recuperar mulheres

Mais de 96 mil presos trabalham em todo o Brasil. O número parece alto, mas não passa de 19% de toda a massa carcerária brasileira, de 496.251 pessoas. Obrigados pela Lei de Execuções Penais a oferecerem trabalho e cursos, os Estados enfrentam uma série de dificuldades para cumprir a lei: os professores têm medo da violência e reclamam dos salários, nem toda unidade prisional tem espaço para cursos enquanto os homens com mais de 30 anos mal se interessam pelos cursos.

Os benefícios, no entanto, são muitos, como conta a diretora-executiva da Funap (Fundação de Amparo ao Preso), Lúcia Casali, responsável por organizar os cursos e as vagas de trabalho aos presos de todo o Estado de São Paulo, que concentra o maior número de detentos do país: 170.916.

– Os presos que trabalham têm sua pena reduzida em um dia para cada três trabalhados. Já os que estudam a reduzem em um dia a cada 12 horas de frequência escolar.

Ela acredita que até 70% dos detentos podem ser recuperados se tiverem a chance de estudar e trabalhar, o que também ajudaria a diminuir a superlotação nos presídios.

Lúcia tem 64 anos e trabalha com presos há 40, desde que se formou em direito em 1970. Começou a trabalhar para o Estado em 1982, quando entrou no Ministério Público Estadual para lidar com execuções penais. Como corregedora dos presídios, diz ter frequentado as penitenciárias e “conhecido tudo”.

Ela se aposentou em 2006, quando foi chamada para trabalhar como diretora-executiva da Funap pelo então secretário de Administração Penitenciária e hoje secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto.

Leia, abaixo, a entrevista completa:

R7 – A senhora acredita que educação e trabalho são a melhor forma de recuperar um preso?

Lúcia Casali – De toda a massa carcerária, acredito que 70% podem ser recuperados por meio de trabalho e educação. Eu levo em consideração o histórico do preso, como trabalho, educação, família e religião. A partir deles, a Funap pensa nas diretrizes.

R7 – Que tipo de preso é mais fácil recuperar?

Lúcia – As mulheres, que costumam entrar no crime por causa do marido, do namorado… Depois de uma série de cursos na Funap – como bordado, patchwork e artesanato -, elas recuperam a auto-estima e conseguem trabalho fora do presídio. Com uma máquina de costura elas conseguem, em pequena escala, fazer em casa tudo o que aprendeu aqui. Aí, a possibilidade de voltarem ao crime diminui.

R7 – E como é a recuperação dos homens?

Lúcia – Eles têm outro perfil. Entre os jovens, a recuperação é mais difícil por causa da imaturidade. Já para aqueles com mais de 30 anos, o interesse por estudar ou trabalhar diminui.

R7 – E existe algum método para incentivá-los?

Lúcia – Quem trabalha 8 horas por dia ganha duas horas de folga se também estudar. Como os presos mais velhos se interessam pelos cursos profissionalizantes, a gente só permite que eles aprendam um ofício depois que eles se alfabetizarem.

R7 – E como saber se os cursos de alfabetização funcionam?

Lúcia – 75% dos presos que prestaram o último Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] passaram e conseguiram o diploma do ensino médio. A partir de agora a própria Secretaria da Educação vai certificar.

R7 – Quais as principais dificuldades que a Funap enfrenta?

Lúcia – Os professores têm medo de ir trabalhar nos presídios. Em Guarei (perto de Sorocaba), onde funciona uma tapeçaria de cadeira para escritório, tem curso sem professor há seis meses. Eles acham perigoso e reclamam do salário. Mas a grande dificuldade já foi vencida: era a falta de certificação. Só agora todos os nossos cursos têm uma parceria que certifique, como o Senac [Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial] e o Sesc [Serviço Social do Comércio]. Não adianta implantar um curso com o certificado da Funap porque fica o estereótipo de ex-presidiário.

R7 – A Funap também vende alguns produtos feitos pelos presos. Qual é o faturamento?

Lúcia – A Do Lado de Lá [Rua doutor Vila Nova, 268 – Consolação] tem um faturamento de R$ 200 mil por ano. A gente vende produtos que chegam de todo o Estado. É artesanato, roupas, utensílios domésticos…

R7 – E qual é a reação das pessoas?

Lúcia – Muito boa, mas já fizemos uma exposição no Shopping Iguatemi para nunca mais.

R7 – Por quê?

Lúcia – Preconceito. Eles se interessavam pelos produtos até descobrirem que os objetos tinham sido feitos por presos. Aí as elas largavam em cima do balcão.

R7 – E como vocês escolhem as empresas-parceiras?

Lúcia – A empresa pode entrar em contato diretamente com a Funap. Ela faz um contrato e o presídio seleciona os presos que vão trabalhar. Hoje temos 700 contratos com empresas privadas e públicas.

R7 – E o número de vagas vem crescendo?

Lúcia – Em 2006, havia 32 mil presos trabalhando, hoje são 44 mil.

R7 – A oferta de mão de obra prisional não tira vagas de pessoas que estão fora da cadeia?

Lúcia – Não tira porque eu tenho um acerto com o Ministério do Trabalho. As empresas só trabalham no presídio assinando um compromisso de que não vão demitir ninguém que já esteja contratado. Além disso, metade dos contratos é com o setor público, especialmente com as prefeituras.

R7 – Hoje 19,5% dos presos trabalham para reduzir a pena. Como aumentar esse número?

Lúcia – O meu sonho é que em dez anos 50% dos presos em São Paulo trabalhem. Não dá para todo mundo trabalhar porque vários detentos trabalham com tesoura em oficinas de costura, ou com faca na cozinha. Por isso a gente faz uma seleção entre os interessados. Além disso, como não é obrigatório trabalhar ou estudar, muitos presos rejeitam a ideia.

R7 – Quantos detentos continuam trabalhando depois de cumprir a pena?

Lúcia – Ninguém tem pesquisa sobre isso porque depois que o preso sai da cadeia, ele não procura a Funap para contar se conseguiu trabalho ou não. A gente só sabe se houve reincidência quando ele volta para a cadeia.