UNILA – Consciência Negra

Semana contribui para ações em escolas e debate questão étnico-racial na perspectiva latino-americana

A Semana da Consciência Negra da UNILA, realizada no fim de novembro, além de promover um amplo debate sobre questões étnico-raciais, contribuiu para a finalização dos planos de trabalho das equipes multidisciplinares, que atuaram nas escolas estaduais de nove municípios da região.

Formado por uma maioria de mulheres, o grupo de mais de 60 pessoas contou com a orientação da professora Anny Ocoró Loango, da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO), da Argentina; e da coordenadora da Educação das Relações da Diversidade Étnico-Racial no Paraná, Edna Coqueiro.

As equipes multidisciplinares são encarregadas de implementar as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que tornam obrigatório o estudo da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas brasileiras.

O acompanhamento das equipes nas escolas vem sendo realizado como ação de extensão há três anos e, como forma de intensificar esse trabalho, neste ano, as equipes foram convidadas para participar da Semana da Consciência Negra da UNILA. “A apresentação dos planos de trabalho das escolas foi importante para pensar os três anos de caminhada e a demanda da continuidade do trabalho, com mudanças e ampliações”, diz a pró-reitora de Extensão, Ângela de Souza. “O caminho a percorrer ainda é muito longo. Tem muita coisa por fazer.”

boneca e desenho feitos durante atividades escolares para discussão de questões relativas aos afrodescendentesEntre os pontos a serem trabalhados em 2016 estão a discussão de conceitos teóricos e também a questão da autodeclaração, ainda um grande problema, como explica a pró-reitora. “Uma sugestão é que a discussão da autodeclaração possa ser realizada com os pais, com a família. Não adianta fazer a discussão só no âmbito escolar”, diz.

Uma das boas surpresas do trabalho das equipes multidisciplinares veio de um exercício prático. As escolas realizaram um levantamento interno do número de pretos, pardos e indígenas, com base na autodeclaração, e compararam com os números levantados pelo IBGE no município. “Os dados das escolas são superiores aos do IBGE. Os professores viram que há muito mais pretos, pardos e indígenas do que eles imaginavam que existia”, contou Ângela.

Os professores também perceberam que, quando a discussão ressaltava a importância e a positividade da questão étnico-racial, havia muito mais facilidade para os estudantes se autodeclararem negros e indígenas. “Obviamente, crianças e adultos sabem que são pretos ou indígenas, mas não querem ser associados à negatividade. A negatividade socialmente construída para essa questão é tão forte que a pessoa tem de se afastar. Lidar com isso é um desafio para professores, escolas e todos nós”, argumenta.

Outra questão colocada pelas equipes multidisciplinares é a grande resistência de muitos professores e diretores de escolas em relação ao trabalho da temática étnico-racial. “Infelizmente, essa não é uma questão que nos surpreende. Assusta, obviamente, porém não surpreende”, afirma Ângela. Para ela, é preciso fortalecer as equipes multidisciplinares e a visibilidade dos professores que atuam com a temática, para que essas resistências sejam destruídas.

Anny Loango: lutas sociais e étnico-raciais“As escolas continuam a criar capitais culturais, invisibilizam, reproduzem estruturas de classe, de dominação, de ordem racial”, analisa a professora Anny Loango, para quem é importante incluir experiências como as apresentadas pelas equipes, de forma que possa mudar a realidade. “É necessário apontar mudanças, aproveitar a legislação para incluir experiências tão bonitas como as mostradas pelas professoras. É genial usar todos os aportes, dar protagonismo às comunidades e espaço para os que estão fazendo o exercício cotidiano no intuito de mudar a realidade.”

 

América Latina

A professora Anny Loango também fez a conferência de encerramento da Semana da Consciência Negra da UNILA. Com formação em Ciências Sociais, especializou-se em temáticas relacionadas a afrodescendentes e à educação deles em uma perspectiva latino-americana.

Para ela, observar a questão sobre uma perspectiva latino-americana é buscar a integração com povos que também foram subalternizados, unificar as ações e pensamentos em relação à opressão em que vivem, tanto descendentes de povos africanos, quanto indígenas e campesinos. “É necessário fazer uma equivalência de lutas sociais que não são somente étnico-raciais”, enfatiza.

Segundo ela, a forte participação política dos negros no Brasil serve de exemplo para o restante da América Latina, onde muitos países sequer contabilizam a população negra em levantamentos censitários, por exemplo. O que é visível em todos os países, enfatiza Anny, é a condição de desigualdade dos negros em relação a outros grupos, inclusive sem acesso aos direitos básicos fundamentais. “O Brasil tem sido um referencial para os outros países da América Latina não só porque tem a maior população afrodescendente na região, mas também porque é um dos países com os maiores alcances em termos legislativos e normativas jurídicas que atendem a essa população”, diz.

No Brasil, segundo ela, há um avanço em relação a estudos que se dedicam a conhecer como o papel da população negra foi posto na invisibilidade ao longo da construção do país. “Reconhecer os afrodescendentes como sujeitos que integram a nação é uma história que deve ser escrita em grande parte da região”, afirma.

A professora elenca alguns desafios, entre eles priorizar a educação; estabelecer tratamento igualitário, por meio da implantação de posturas interculturais e multiculturais; propor reformas econômicas; buscar reformas para acomodar grupos étnicos, modificando as relações de desigualdade estrutural; recuperar a história e incorporá-la no currículo escolar; recuperar a perspectiva latino-americana, visto que não é possível entender o que ocorre com os afrodescendentes observando apenas contextos locais; e dar visibilidade aos afrodescendentes, lembrando que as lutas não devem acontecer somente no campo cultural, mas são sobretudo lutas sociais, políticas e econômicas.

ASCOM – Universidade Federal da Integração Latino-Americana