
Com o apoio político, financeiro e midiático de parcelas não desprezíveis da população, avança no Brasil um projeto de socidade baseado no obscurantismo, na violência e na fragilização de instituições. Discute-se, neste momento, um novo corte nos investimentos em ciência e tecnologia e nos orçamentos das universidades públicas, além da suspensão da obrigatoriedade de um piso de investimentos em educação e saúde, ao mesmo tempo em que se aprovam medidas que estimulam e facilitam o acesso a armas e munições. Isso tudo em meio a uma pandemia em que centenas de milhares de mortes acontecem com o pano de fundo de negligências múltiplas e de políticas públicas refratárias às recomendações da ciência.
Em diferentes momentos históricos, muitas sociedades apostaram (algumas ainda apostam) na violência e no pensamento sem rigor para enfrentar os seus desafios. Outras apostaram na educação de qualidade e no conhecimento científico. Seria conveniente examinar o que produziram umas e outras para vislumbrar o que pode ser o futuro do Brasil.
Sociedades refratárias à ciência e promotoras da violência como modo de resolução de conflitos internos são incapazes de promover qualidade de vida para a população, têm economias devastadas e vivem sob regimes antidemocráticos, com toda sorte de violação de direitos. Sociedades que contam com instituições sólidas para mediar a resolução de conflitos e que investem em educação, arte, cultura e ciência, ao contrário, estão aptas a resolver os problemas mais complexos da vida contemporânea.
Contribui para que o discurso incivilizado prospere o fato de que investimentos públicos em educação, ciência e tecnologia não produzem resultados rápidos. Em especial, não produzem resultados no tempo de mandato de um governante, daí ser indispensável que a sociedade civil organizada conquiste espaços nos processos decisórios. São necessárias algumas décadas para que uma nação mude de patamar, o que invariavelmente ocorre quando as políticas públicas são consistentes.
No Brasil, apesar da instabilidade das políticas públicas nas últimas décadas, avançamos muito. Temos competência científica e tecnológica em todas as áreas de conhecimento (infelizmente, operando com alta taxa de ociosidade, por falta de verbas para o financiamento da pesquisa); temos um sistema competente de Universidades Públicas, responsável pela melhor educação superior e a quase totalidade da ciência feita no país (também operando abaixo de sua capacidade, pelas mesmas razões); e temos recursos naturais em abundância, incluindo a maior biodiversidade do planeta (hoje mais fortemente ameaçada de devastação).
É inquietante que ainda estejamos discutindo o que é melhor para o futuro do país e, mais ainda, convivendo com passos largos em direção a um passado de (maior) incivilidade e barbárie. É urgente que a sociedade se mobilize em favor de uma pauta civilizatória em que os livros prevaleçam sobre as balas.
*Emmanuel Zagury Tourinho é reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA)