Não podemos temer falar a realidade a governantes, diz presidente do TCU

Após dois anos como presidente do Tribunal de Contas da União), Augusto Nardes, 62, alerta: “Se não aperfeiçoarmos o Estado, poderemos ter convulsões sociais”.

Nardes, que deixa o cargo no fim do ano, fala com a visão de quem acompanha milhares de auditorias do tribunal que começa a cumprir uma função mais de alertar que de punir os problemas. E eles são diversos: dos bilionários desvios na Petrobras à falta de profissionais em 81% dos hospitais públicos.

Para Nardes, o objetivo agora é dar aos governantes em início de mandato instrumentos para melhorar a gestão e, de forma ideal, retirá-la dos partidos políticos.

“O país está muito direcionado para atender o fisiologismo”, diz ele, que trará a Brasília, nesta segunda (17), governadores eleitos para firmar o que ele chama de Pacto pela Boa Governança do Brasil –uma iniciativa para unificar sistemas de controle dos Estados com o do TCU.

Folha – Por que o TCU não agiu para evitar os desvios agora apurados na Petrobras?

Augusto Nardes – A primeira pessoa a tomar conhecimento de uma auditoria é o próprio gestor. Pode ser que o integrante de um escalão maior do governo não tome conhecimento num primeiro momento. Mas procuramos alertar o governo sobre problemas com as obras das refinarias e das plataformas pelo menos desde 2009.

Qual era a reação dos gestores e do governo ao serem informados dos problemas?

Quando levei ao [ex-presidente da estatal José Sérgio] Gabrielli pela primeira vez, a reação foi muito negativa. A presidente Graça [Foster], já foi mais acessível, dizendo que conhecia o problema. Fizemos visita a ela para falar de Pasadena. Senti uma preocupação por parte dela.

E o sr. não viu nenhuma providência ser tomada?

Alguns contratos foram repactuados. O fato de termos conversado já auxiliou para que os desvios não fossem maiores. Mas não tínhamos noção de que eram valores tão altos, mais de R$ 3 bilhões.

Diante do que aconteceu, não é hora de juntar o TCU com outros órgãos que possam tomar providências mais enérgicas?

Temos uma rede de controle que comunica todas as nossas auditorias para o Ministério Público Federal e Polícia Federal. Muitas operações que acontecem, como Lava Jato, Voucher –que prendeu mais de 120 pessoas– são baseadas em nossas auditorias.

As ferramentas legais do TCU são suficientes para combater esse tipo de desvios?

Ter acesso ao sigilo bancário daria uma capacidade melhor. É difícil acabar com a corrupção onde tem ser humano, mas há condições de um controle melhor se melhorarmos a governança. As auditorias estão encontrando falhas em praticamente todas as estruturas.

O problema não é só da União. A falta de governança está instalada nos três entes. O que fica mais evidente é que, se não houver diálogo entre os três, tenho temores de que possamos ter retrocesso em relação à unidade da federação. Temos que tomar medidas preventivas para que isso não aconteça.

Governo e empresas reclamam de que o TCU tenta ser governo. É função do órgão fazer mudanças em contratos, por exemplo?

A Constituição estabelece que podemos fazer a avaliação da eficiência e eficácia dos programas e repactuar contratos. Fizemos economia nos últimos cinco anos de R$ 105 bilhões de reais com ações preventivas, reduzindo preços excessivos. Mas, além da legalidade, podemos mostrar os gargalos com auditorias específicas nas áreas como saúde, educação, segurança. Não adianta ficar só na [apuração da] legalidade, se não apurarmos as causas do desgoverno que existe em muitos municípios, Estados e na própria União.

Mas parar obras é uma atitude adequada?

Fomos apurar, das 1.034 obras paradas no país, quantas eram por causa do TCU. Eram 2. A acusação de que o TCU paralisa obra é mito. É para justificar os sobrepreços, superfaturamentos e a incompetência de alguns de não fazer o projeto adequado.

Os partidos políticos parecem ter de alguma forma capturado a gestão pública. Isso prejudica o desenvolvimento?

Sou favorável ao jogo democrático e ele tem que ter partidos. Mas temos que ter, nos ministérios e nos Estados, uma estrutura enxuta com agentes de Estado, profissionais independentes de partidos, para que a gente possa dotar o Estado de uma boa memória para continuar obras. Manifestações na rua antes da Copa, em busca do padrão Fifa, são resultado da não entrega de produtos de forma adequada no transporte, na saúde, na educação, por falta de profissionalização na estrutura do Estado. Ficou caracterizado, numa auditoria que fizemos em hospitais, que 81% não têm enfermeiros e médicos suficientes.

O que dizer aos gestores que chegam? Como fugir dessa armadilha?

Vamos fazer um evento nesta segunda-feira para entregar a eles um manual com dez passos para a boa governança. A proposta é mostrar gargalos em cinco áreas: educação, saúde, infraestrutura, previdência e segurança.

Como funciona?

Os governos têm de ter plano estratégico, metas e avaliação para solucionar os problemas. O grande problema do Estado é que muitas instituições não têm metas, avaliação, monitoramento. Princípios básicos de governança não estão instalados na administração pública.

Não seria uma intromissão do órgão no governo?

Gostaria que os eleitos entendessem que não é intromissão do TCU. Não somos governo e não queremos governar. Mas temos constitucionalmente o dever de alertar a nação. Sem o Pacto pela Boa Governança, o país não conseguirá arcar com compromissos num futuro breve.

Por que isso é importante?

É o momento de conciliarmos a nação para voltarmos a crescer e não comprometer a estabilidade social do país. Precisamos de agentes permanentes de Estado, independentemente de o partido A, B ou C assumir o governo em qualquer esfera. Agentes que pensem no interesse da nação antes do interesse partidário. O país está muito mais direcionado para atender o fisiologismo de curto prazo que o interesse maior do país a médio e longo prazo.

O senhor já foi deputado e sabe como é difícil.

A ideia do pacto é essa. Se não aperfeiçoarmos o Estado, a curto prazo pessoas podem voltar às ruas para protestar, o que pode levar a convulsões sociais. Queremos que a intenção da presidente de estabelecer o diálogo seja prática. Temos de retomar a esperança do país e, se não houver essa boa vontade e diálogo e, especialmente, humildade de algumas autoridades, não conseguiremos a conciliação.

A principal atribuição constitucional do TCU, para o qual ele foi criado, é avaliar as contas do governo.

Mas a Constituição também nos dá a atribuição de avaliar a eficiência do Estado. No meu ponto de vista, o futuro do controle é fazer prevenção para que não tenhamos crises institucionais. Não podemos ter medo, porque temos cargo vitalício, de falar a realidade para os governantes. Não tenho receio.

Mas há vários anos o governo faz operações que o TCU chama de heterodoxas para não cumprir a meta de superávit.

Estamos apontando isso.

Não é hora de dar um basta?

Isso foi comunicado ao ministro da Fazenda. O que gostaríamos é que o Congresso votasse as contas. Há contas do Fernando Henrique (1995-2002) e do Collor (1990-1992) para serem votadas.

Se não cumprir a meta de superávit, a presidente pode cometer crime de responsabilidade, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal?

Teria de haver uma denúncia do Ministério Público. Mas a meta tem sido cumprida, mesmo com as soluções heterodoxas. Gostaríamos que as improvisações e o jeitinho brasileiros fossem diminuídos ou acabassem para que pudéssemos planejar o país a mais longo prazo.

Não é hora de colocar as contas nacionais nos padrões internacionais?

Estamos há três anos seguindo padrões internacionais e, por isso, encontramos passivos atuariais de R$ 2,3 trilhões. É uma dívida de longo prazo, 70 anos, mas não está nas contas.

São passivos previdenciários?

É R$ 1,1 trilhão na Previdência, onde há um grave problema. Se a Previdência não tiver recursos do Tesouro e se o país não crescer a mais de 3%, teremos brevemente dificuldade para pagar aposentados. Alertamos a presidente Dilma sobre isso. Poderemos passar pelo constrangimento pelo qual passaram Espanha, Grécia e Portugal [que reduziram pensões].

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