A falta de engenheiros

Enquanto o Brasil forma cerca de 40 mil engenheiros por ano, a Rússia, a India e a China formam 190 mil, 220 mil e 650 mil, respectivamente. Entidades empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria, têm feito estudos sobre o impacto da falta de engenheiros no desenvolvimento econômico brasileiro. E órgãos governamentais, como a Financiadora de Projetos (Finep), patrocinam desde 2006 programas de estímulo à formação de mais engenheiros no País. Segundo estimativas do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), o Brasil tem um déficit de 20 mil engenheiros por ano – problema que está sendo agravado pela demanda por esses profissionais decorrente das obras do PAC, do Programa Minha Casa, Minha Vida, do pré-sal, da Copa de Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.

No País há 600 mil engenheiros, o equivalente a 6 profissionais para cada mil trabalhadores. Nos Estados Unidos e no Japão, a proporção é de 25 engenheiros por mil trabalhadores, segundo publicações da Finep. Elas também informam que, dos 40 mil engenheiros que se diplomam anualmente no Brasil, mais da metade opta pela engenharia civil – a área que menos emprega tecnologia. Assim, setores como os de petróleo, gás e biocombustível são os que mais sofrem com a escassez desses profissionais.     Para atenuar o problema, o governo federal lançou no ano passado o Pró-Engenharia – projeto elaborado com o objetivo de duplicar o número de engenheiros formados anualmente no País, a partir de 2016, e de reduzir a altíssima taxa de evasão nos cursos de engenharia, que em algumas escolas chega a 55%. Das 302 mil vagas oferecidas pelas escolas brasileiras de engenharia, apenas 120 mil estão preenchidas. O problema da evasão é agravado pela falta de interesse dos jovens pela profissão, que decorre, em parte, da falta de preparo dos vestibulandos, principalmente nas disciplinas de matemática, física e química. Elaborado por uma comissão de especialistas nomeada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o projeto prevê investimentos de R$ 1,3 bilhão.

Mas, apesar de sua importância para a remoção de um dos gargalos do desenvolvimento econômico do País, o Pró-Engenharia ainda não saiu do papel. O projeto está à espera do aval dos novos ministros da Educação, Aloizio Mercadante, e da Ciência e Tecnologia, Marco Antônio Raupp. “O Pró-Engenharia poderia ter deslanchado, mas tomamos duas bolas nas costas”, diz o presidente da Capes, Jorge Guimarães. Segundo ele, o maior problema que o Pró-Engenharia vem enfrentando, para ser implementado, é o que ele chama de “fogo amigo” no âmbito do governo. “Primeiramente, foi um     documento do Ipea dizendo que o País não precisa de engenheiro, que já tem muitos deles nos bancos. Mas isso ocorreu numa época em que a engenharia não tinha demanda. Em segundo lugar, foram os reitores de universidades federais que soltaram um documento mostrando um aumento de cerca de 12% nas matrículas dos cursos de engenharia. Se não se atacar a evasão, o número de matrículas poderá ser aumentado em 300%, mas o problema da falta de engenheiros não será resolvido”, afirma Guimarães.

Ele também lembra que, para reduzir a taxa de evasão dos cursos de engenharia, a Capes, além do Pró-Engenharia, vem reformulando os currículos, para torná-los mais próximos do mercado de trabalho. Em vez de estimular a especialização precoce, como ocorre hoje, a ideia é valorizar uma formação básica e interdisciplinar, na qual as disciplinas de engenharia são complementadas por matérias como economia, planejamento estratégico, gestão e empreendedorismo. “No 4.º e no 5.º ano o aluno vai se especializar no que quiser e ganhar visão de mercado”, diz o presidente da Capes. Desde sua posse, a presidente Dilma Rousseff tem falado muito em crescimento econômico. Mas, para que ele ocorra, é preciso que seus ministros sejam mais eficientes na implementação dos projetos anunciados.

 


A pedido dos autores, Alan Barbiero, Flávio Antônio dos Santos e Gustavo Balduino, republicamos o artigo abaixo, publicado na Folha de São Paulo dia 08 de janeiro de 2010.

A engenharia e a competitividade do Brasil

Para vencer o grande desafio de formar engenheiros, um conjunto complexo de tarefas e atores deve estar articulado

COM O crescimento e o desenvolvimento do Brasil, que aumenta sua inserção internacional entre as potências emergentes, a educação, a ciência, a tecnologia e a inovação -e, em particular, a capacidade de fazer engenharia- tornam-se ferramentas estratégicas. Sendo assim, o deficit na formação de recursos humanos na área de engenharia tem preocupado. Essa defasagem se apresenta com o crescimento do PIB, com o necessário aumento da infraestrutura e com os avanços da indústria. Logo, é uma questão estratégica. Para aumentar o número de engenheiros no Brasil, é preciso intensificar as ações dos governos, das universidades, do setor produtivo e do Congresso.

Nesse contexto, há que considerar a complexidade da formação de recursos humanos, algo muito diferente da produção de bens materiais. É um processo de longo prazo, custoso, que se inicia na educação fundamental e não pode ser interrompido.

Cientes dessa preocupação, desde 2003 as universidades federais iniciaram o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que contempla a criação de novas universidades e novos cursos (com ênfase nos noturnos) e novos campi (notadamente no interior do país). As vagas nos cursos de engenharia devem dobrar, saindo de 12 mil em 2006 para 24 mil em 2010.

Essa é a contribuição mais direta das universidades na formação de engenheiros. Porém, elas reconhecem que é preciso acelerar tal empreitada, não só em termos quantitativos mas também qualitativos. Mais que de engenheiros que operem complexos equipamentos importados, precisamos de profissionais que desenvolvam tecnologia brasileira.

Nos últimos meses, a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) também tem dialogado com o Confea (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) e a Abenge (Associação Brasileira de Ensino de Engenharia).

Para essa missão, existem dois gargalos: um antes da graduação e outro depois. Primeiro, a necessidade de formar mais alunos no ensino médio -potenciais engenheiros-, o que leva a uma maior demanda de professores para a educação básica. O desfalque, notadamente nas ciências exatas, já está sendo tratado pelas universidades federais, que se empenham em projetos de formação e qualificação de docentes.

Porém, mesmo que sanado esse problema, o deficit de engenheiros não seria resolvido apenas com o esforço das universidades federais. A participação do setor privado também é necessária, desde que garantida a qualidade. Nesse ponto surge a segunda dificuldade, que é a qualificação daqueles que serão professores na educação privada. Para solucioná-la, o setor público tem outro papel fundamental, destacando-se a importância da pós-graduação.

Uma das principais pautas da Andifes, o Programa de Apoio à Pós-Graduação das Ifes (PAPG-Ifes), apresentado no ano passado ao presidente Lula, à ministra Dilma Rousseff, ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, ao Ministério da Ciência e Tecnologia, à CNI e ao MEC, torna-se estratégico nesse contexto. O PAPG-Ifes projeta um crescimento de 143 cursos de mestrado em engenharia para 216, e de 79 cursos de doutorado na área para 131.

A relação com o setor produtivo, aperfeiçoando e modernizando engenheiros já formados, é atividade rotineira das Ifes. Toda essa interação visa coordenar a formação de engenheiros com as demandas do setor produtivo, com a política industrial, com o PAC da ciência e tecnologia e com as potencialidades das universidades federais. Nesse esforço, procurou-se também superar as assimetrias regionais.

Percebe-se, então, que, para vencer o grande desafio de formar engenheiros, um conjunto complexo de tarefas e atores deve estar articulado.

Podemos afirmar que, até este momento, não tem faltado apoio dos governos e de todos os partidos no Congresso, inclusive na criação de cargos para a ampliação das universidades.

No entanto, é preciso pisar no acelerador e combinar a ação direta na formação com a interação plena com a educação básica, a formação de mestres e doutores e as demandas do setor produtivo. O futuro já chegou e não aguardará os retardatários. Em 2010, resta saber o que pensam os candidatos a presidente sobre o tema.

As universidades federais, como órgãos de Estado, estão engajadas nesse processo e na parceria com os atores envolvidos.

ALAN BARBIERO , engenheiro agrônomo, é presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior).FLÁVIO ANTÔNIO DOS SANTOS , engenheiro elétrico, é vice-presidente da Andifes.GUSTAVO BALDUINO , engenheiro mecânico, é secretário-executivo da Andifes.