As compras de empresas não vão parar (especial sobre educação da revista EXAME)

O setor de educação teve 27 aquisições em 2011, e duas delas foram as maiores da história — um levantamento exclusivo de EXAME mostra que em 2012 não será muito diferente

São Paulo – O setor de educação passou, em 2011, por uma onda de aquisições sem precedentes no Brasil — foram, ao todo, 2,4 bilhões de reais investidos em 27 negócios. Em setembro, a Anhanguera chocou o mercado ao anunciar a compra da Uniban por 510 milhões de reais.

Aquele era, afinal, o maior negócio da história do setor no Brasil. Mas esse choque todo logo se provaria bobagem. Em dezembro, a Kroton adquiriu a paranaense Unopar por muito mais dinheiro: 1,3 bilhão de reais. De novo, empresários do setor e investidores não conseguiram esconder seu espanto.

Unopar? 1,3 bilhão? Nas últimas semanas, EXAME fez uma radiografia do setor em busca das universidades que podem ser alvo de aquisição em 2012. Pode-se concluir, sem medo de errar: as compras não vão parar.

Há, claro, aquisições em estágios distintos. A mais avançada delas é a venda de uma participação de 37% da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), de São Paulo, para o fundo inglês Actis, por 180 milhões de reais.

Com 38 000 alunos na capital paulista e um faturamento de 250 milhões de reais, a rede, que até então estava alheia à onda de consolidação, deve se lançar ao mercado como uma nova compradora — ainda que de empresas menores. Assim como a Unicsul, outras redes da capital paulista também estão procurando compradores.

O banco de investimento Itaú BBA tem o mandato de venda da Universidade São Judas Tadeu, com duas unidades e 17?000 alunos. Por enquanto, há quatro interessados nessa disputa. E o Santander já iniciou o processo de venda da Unicid, que tem apenas um campus e 15?000 alunos no bairro do Tatuapé, na zona leste da cidade. A Unicsul nega que esteja à venda e as outras duas empresas alegaram não ter porta-voz para comentar o assunto.

Dos negócios em andamento, nenhum é tão aguardado — e causará tanto impacto no mercado — quanto a possível venda da Uninove, a sexta maior universidade do país, com 111?000 alunos e um faturamento de 431 milhões de reais. De acordo com o preço médio pago por aluno em aquisições desse tipo, a compra da Uninove custaria algo entre 600 milhões e 800 milhões de reais.

Quem assumir o controle da rede passa a brigar pela liderança na capital paulista, mercado em que nenhuma das três consolidadoras — Anhanguera, Kroton e Estácio — está bem posicionada. Ou seja, é um negócio com alto potencial de competição, o que pode levar os preços para cima.

Segundo EXAME apurou, os donos da Uninove já deram ao BTG Pactual o mandato para encontrar potenciais compradores. Procurada, a empresa disse que não está à venda.

Mas se é no Sudeste que está o maior número de alvos, o Nordeste tem uma das instituições de ensino superior que mais crescem no país — a Mauricio de Nassau, do empresário Janguiê Diniz, de 47 anos. Fundado em 2003 em Recife, o grupo de 14 faculdades, com 50 000 alunos, já é o 11º maior do país e vem crescendo num ritmo de 20% ao ano.

Diniz já recebeu uma dezena de propostas nos últimos dois anos, mas só agora contratou um banco para ajudar na escolha do comprador: o assessor da venda é o Goldman Sachs. Oficialmente, Diniz nega que tenha colocado sua rede à venda. “Quero abrir 20 faculdades e adquirir mais umas dez. Foi uma promessa de Ano-Novo”, afirma ele.

A onda de consolidação dos últimos anos deu origem a três líderes claros no mercado de ensino superior. Anhanguera, Kroton e Estácio têm perfis semelhantes (têm investimento de fundos de private equity). A Anhanguera tem, hoje, 347?000 alunos, enquanto a Kroton e a Estácio têm 264?000 e 248?000, respectivamente.

É natural que se pergunte: quando os três líderes vão conversar uns com os outros? Uma fusão entre dois dos três maiores grupos criaria um líder incontestável — e quem ficar de fora corre o risco de ser relegado à condição de eterna segunda força. O negócio mais esperado (e mais provável que aconteça) é a união da Estácio de Sá com a Anhanguera. Ambas têm operações muito parecidas, mas em lugares diferentes.

A Estácio é forte no Rio de Janeiro e no Nordeste. A Anhanguera tem presença maior em São Paulo, no Sul e no Centro-Oeste. O namoro entre as duas empresas começou há um ano e meio. Segundo EXAME apurou, os representantes dos fundos que comandam as duas empresas (o Pátria, pela Anhanguera, e a GP, pela Estácio) já fizeram reuniões para discutir os benefícios de uma eventual fusão.

“Os negócios são complementares, concorremos para valer apenas em Niterói, mas não há e nunca houve nenhuma conversa entre as duas empresas”, afirma Ricardo Scavazza, presidente da Anhanguera. Segundo ele, a empresa dedicará 2012 à absorção das 12 universidades adquiridas recentemente e resistirá à tentação de gastar mais dinheiro — tentação, como já se viu, não há de faltar.


 

A maior venda da história

Aos 75 anos, o médico Marco Antonio Laffranchi decidiu vender sua universidade — acabou levando 1,3 bilhão de reais

São Paulo – Eram 8 horas da manhã do dia 15 de dezembro de 2011, em Londrina, quando Marco Antonio Laffranchi embarcou no jato particular da família com destino a São Paulo para fechar o maior negócio da história do setor de educação — em todo o mundo, enfatize-se.
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Aos 75 anos, Laffranchi é o fundador da Universidade Norte do Paraná (Unopar), dona da maior rede de ensino a distância do país. Em São Paulo, ele tinha uma reunião marcada num prédio na esquina da avenida Brigadeiro Faria Lima com a rua Tabapuã, no coração financeiro da cidade.

Ali, fica a sede do fundo americano de private equity Advent. Por anos, Laffranchi havia resistido às investidas de empresários dispostos a comprar sua empresa. Mas, naquele dia, a oferta era tentadora demais.

A Kroton Educacional, empresa controlada pelo Advent, estava disposta a pagar 1,3 bilhão de reais para assumir o controle da Unopar. O valor supera em 200 milhões de reais o orçamento anual¬ de Londrina, cidade paranaense onde fica a sede da universidade. Na madrugada, o contrato estava assinado. 

A dinheirama causou, era de esperar, espanto: como um negócio rigorosamente desconhecido, sediado numa cidade com 500 000 habitantes, vale tanto? Até a compra da Unopar pela Kroton, o maior negócio da história do setor no Brasil havia sido a aquisição da Uniban pela Anhanguera por 510 milhões de reais. Qual o segredo de Laffranchi? O que há na água de Londrina?

A Unopar nasceu em 1972. Paulista de Jaboticabal, o educador mais rico do mundo estudou para ser médico e chegou a fazer alguns plantões em hospitais da capital paulista, mas foi apresentado a Londrina pela família de um paciente. Acabou se mudando e conseguindo um emprego como gerente da Pirelli.

Católico praticante, era próximo à pequena comunidade eclesiástica da cidade — e, como era o único gerente disponível, foi convidado pelos padres a dar um jeito no pequeno Colégio São Paulo, com apenas 46 alunos, que ameaçava fechar. “Começamos a empreender nessa área meio que por caridade”, diz Laffranchi, que logo tomou gosto pela coisa.

Dali até conseguir autorização para a instalação da primeira faculdade levou apenas quatro anos. Sua mulher, Elisabeth, dava aulas de ginástica rítmica — especialidade que a fez ser técnica da seleção brasileira por dez anos. O casal se dividiu na administração da universidade: ele cuidava da área comercial, e ela, da acadêmica.

Mina de ouro

Mas não foi a experiência educacional de quatro décadas que levou a empresa dos Laffranchi a ser cobiçada — e sim sua trajetória nos últimos dez anos, quando a universidade descobriu sua mina de ouro: o ensino a distância. Entre 2003 e 2011, a rede passou de um quadro de 1?800 alunos para 145?600 (o equivalente a três vezes o número de matrículas da USP, a maior universidade pública do país).

No ano passado, a Unopar faturou 416 milhões de reais. Como o modelo de ensino a distância tem custos menores (gasta-se muito menos com professores, por exemplo), as margens da Unopar cresceram. A rentabilidade medida pela geração de caixa foi de 28% em 2011 (na Anhanguera, considerada uma das empresas mais eficientes do setor, foi de 24,9%).

“O fato de eles terem saído na frente fez uma grande diferença nessa trajetória”, diz Carlos Monteiro, da CM Consultoria, contratada pela Kroton para fazer o estudo de mercado que embasou a aquisição.

A ideia de que investir em ensino a distância poderia ser um grande negócio surgiu no fim da década de 90, numa das viagens de Elisabeth a convite da Confederação Internacional de Ginástica. “Conheci um projeto na África do Sul, depois outro na Inglaterra e também na Itália”, diz a professora.

Ela e o marido criaram um modelo que hoje é copiado por uma centena de outras instituições. As aulas são transmitidas ao vivo, via satélite, uma vez por semana para salas espalhadas por todo o país, onde um grupo de 400 “tutores” — profissionais graduados e com alguma especialização — acompanha os estudantes pessoalmente. As aulas são filmadas em 11 estúdios, localizados em Londrina, São Paulo e Brasília.

Para garantir a palavra mágica — escala —, Laffranchi investiu em poucos cursos (são apenas 12). Hoje, um único professor chega a lecionar para 7 000 alunos ao mesmo tempo em até 399 cidades. É isso, em suma, que faz um curso a distância custar, em alguns casos, a metade de um presencial.

Para firmar presença nas principais capitais e chegar a lugares remotos, como Cametá (no Pará) e Cacequi (no Rio Grande do Sul), a Unopar criou a figura do “parceiro local”, responsável por alugar a sala de aula e atrair alunos.

Em troca, essa espécie de representante comercial (geralmente, professores e donos de escolas) ganha um percentual de cada mensalidade paga. “Mal comparando, é uma adaptação do modelo Avon ao ensino”, diz Marcio Costa, da Galileo, que controla redes de ensino superior no Rio de Janeiro.

A decisão de vender a empresa para a Kroton e se tornar sócio do grupo pode ser explicada por outros motivos além do tamanho do cheque oferecido pelos novos donos da Unopar — para Laffranchi, estava mais difícil crescer sozinho. Desde 2008, uma série de regras impostas pelo governo aumentou os custos da Unopar, que passou a ser obrigada a publicar material didático próprio, contratar coordenadores regionais e inaugurar bibliotecas.

Além de ter custado caro, as novas regras impostas pelo Ministério da Educação colocaram um freio no crescimento do ensino a distância — a abertura de polos, por exemplo, passou a ser controlada. A Unopar acabou ficando com sua rede de parceiros congelada.

Apesar das limitações impostas pela legislação, a Kroton continua com planos agressivos para a empresa recém-adquirida, que a levou ao segundo lugar no ranking das gigantes do ensino superior no país, atrás apenas da Anhanguera. Afinal, o grupo não pagou barato — foram 8?000 reais por aluno, o maior preço já negociado no setor no país.

“O valor se justifica por ter sido um negócio estratégico, que nos fez mudar de patamar”, diz Rodrigo Galindo, presidente da Kroton. O grupo tem planos de aumentar a oferta de cursos técnicos, corporativos e de pós-graduação e levar os polos de ensino a distância para as 777 escolas de ensino básico que integram o sistema Pitágoras, também da Kroton.

As ações da empresa na bolsa caíram 3,6% desde a aquisição, um sinal de que o mercado desconfia do preço pago e da perspectiva de retorno. Um desafio para a Kroton. Para o ex-dono da Unopar, os problemas serão consideravelmente menores: o primeiro cheque, de 650 milhões de reais, já foi depositado na sua conta.