Reserva de vagas x qualidade de ensino

Argumentos sobre o “rebaixamento” do nível intelectual do ensino universitário com a adoção da reserva de vagas, conforme aprovado recentemente na UFMT, são os mais comuns entre os que se opõe à implantação dessa política afirmativa.

Entretanto, a realidade objetiva e as pesquisas realizadas ao longo dos últimos 10 anos em que esse sistema foi implantado em boa parte das universidades públicas brasileiras não confirmam essa suposta “tragédia”.

Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o aproveitamento de cotistas na Unicamp, Universidade Federal da Bahia (UFBa), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), derruba a falácia de que, graças às ações afirmativas, alunos cotista estariam “entrando pela janela” das instituições superiores da rede pública.

No biênio 2005-2006, cotistas obtiveram maior média de rendimento em 31 dos 55 cursos (Unicamp) e coeficiente de rendimento (CR) igual ou superior aos de não-cotistas em 11 dos 16 cursos (UFBa). Na UnB, não-cotistas tiveram maior índice de aprovação (92,98% contra 88,90%) e maior média geral do curso (3,79% contra 3,57%), porém trancaram 1,76% das matérias, contra 1,73% dos cotistas. Diferenças insignificantes!

Já o estudo “Efeitos da Política de Cotas na UnB: uma Análise do Rendimento e da Evasão”, coordenado pela pedagoga e pesquisadora Claudete Batista Cardoso, aponta que os cotistas negros obtiveram notas melhores do que os demais alunos em 27 cursos da UnB.

No curso de música, por exemplo, as notas dos cotistas são 19% superiores às dos demais estudantes. Eles também se destacam em cursos como matemática, em que a diferença é de 15%, artes cênicas (14%), artes plásticas (14%), ciências da computação (13%) e física/licenciatura (12%).

De acordo com Claudete Cardoso, uma das explicações para o melhor desempenho é que os cotistas valorizam mais o fato de passar no vestibular e entrar na universidade, o que para eles pode representar uma possibilidade de mobilidade social.

O estudo também mostrou que, em geral, os alunos cotistas têm desempenho melhor nos cursos da área de humanidades, rendimento semelhante ao dos demais na área de saúde e notas inferiores em alguns cursos de exatas, particularmente as engenharias. Isso porque são cursos que requerem uma base melhor do ensino médio, segundo a pesquisadora.

Outra prova cabal que coloca por terra esse argumento do “rebaixamento” pode ser observado pela classificação das melhores universidades públicas, avaliadas pelo “Guia do Estudante”.

Entre as 10 melhores universidades, 6 adotam algum tipo de ação afirmativa: 1ª USP – Universidade de São Paulo (adota sistema de “bônus” que pode chegar a 15%, para estudante egresso das escolas públicas); 3ª UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro (cotas social e racial); 4ª UFRS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (cotas social e racial); 7ª UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina (cotas social e racial); 8ª UNB – Universidade de Brasília (cotas social e racial); 9ª UFPR – Universidade Federal do Paraná (cotas social e racial).

Portanto, longe de produzir o “demérito”, a “mediocridade”, a “segregação intelectual”, as ações afirmativas já implantadas em inúmeras universidades públicas brasileiras (agora, finalmente implantada na UFMT), tem como marca principal o mérito da inclusão de importantes segmentos da sociedade brasileira (pobres, negros, indignas, pessoas com deficiências etc.) que, raras exceções, tinham oportunidade de freqüentar um curso superior público e gratuito em nosso país.

Também é preciso desmascarar a falsa contraposição entre implantação das ações afirmativas e a melhoria do ensino fundamental e médio. Na verdade, a implantação das ações afirmativas e a luta pela melhoria do ensino em geral são bandeiras que não se contrapõem e, portanto, devem caminhar juntas.

É preciso e urgente lutar pela melhoria do ensino público, através de mais investimento na educação (10% do PIB – Produto Interno Bruto; 50% das verbas do Pré-Sal, etc.) e, ao mesmo tempo, implantar as ações afirmativas para permitir maior democratização do acesso ao ensino superior público.

É, como bem lembrou o antropólogo e professor-titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Kabengele Munanga, “… se por um milagre os ensinos básico e fundamental melhorassem seus níveis para que os seus alunos pudessem competir igualmente no vestibular […] os negros levariam cerca de 32 anos para atingir o nível dos atuais alunos brancos”.

Tempo em que a sociedade não está mais disposta a esperar!

MIRANDA MUNIZ é engenheiro agrônomo, bacharel em Direito, oficial de Justiça avaliador federal e secretário de organização do PCdoB/MT.