UFSC – Lançamento do Livro do professor Nilso Ouriques, da UNOESC

A Miséria do Esporte

Já está nas livrarias de todo o país – editado pela editora catarinense Insular  – um livro que promete mexer com a estrutura do esporte em Santa Catarina e no Brasil. É o trabalho “A Miséria do Esporte: reflexões sobre as políticas públicas em Santa Catarina”, de autoria do professor da UNOESC e mestre em Sociologia Política pela UFSC, Nilso Ouriques. No livro, Ouriques recupera, de maneira inédita, a história do esporte no estado, desde os tempos do chamado amadorismo até a profissionalização gradual que foi se gestando a partir das políticas públicas. O autor mostra, por exemplo, com absoluta claridade, como um dos maiores eventos do esporte amador de Santa Catarina, os JASC, está eivado do que ele chama de “profissionalismo marrom”. A politicagem, os desacertos, as arrumações e as equivocadas políticas públicas vão sendo desveladas, formando um quadro bastante sombrio do esporte em Santa Catarina. A obra, absolutamente eficaz no seu panorama totalizante, certamente pode servir para a reflexão do tema nos demais estados da federação, uma vez que as realidades são muito parecidas.

No texto que abre o livro, Nilso Ouriques mostra como o esporte em Santa Catarina passa de um amadorismo elitista para o chamado profissionalismo, e como depois esse profissionalismo vai se misturando ao esporte amador, a ponto de algumas prefeituras lançarem mão de atletas de fora dos municípios, com pagamento de altas quantias em dinheiro, para a disputa dos “amadores” Jogos Abertos, tornando a competição quase uma fraude. Expõe ainda, como, no transcurso da história, o esporte vai saindo da órbita do prazer e da saúde para outra, bem diferente, de competição, alto rendimento e derrocada física, elementos típicos do capitalismo.  Ainda no âmbito da história, Ouriques traça a caminhada do esporte no seu processo de institucionalização, quando o estado passa a lançar mão desta atividade para, inclusive, fazer uso político do setor, chegando a ser o que é hoje: espetáculo, evento, e nada mais.

A Miséria do Esporte revela também a trajetória da própria FIFA (Federação Internacional das Associações de Futebol), que,  antes de 1974, quando então assume João Havelange, não passava de uma pequena instituição européia, e que, com a proposta de estabelecer parceria com a grande empresa Adidas, começa um caminho sem volta de comercialização do esporte, hoje elevado a última potência. É uma espécie de nova ética comercial que transforma, no caso, o futebol, em uma mercadoria altamente rentável. Esta idéia de unir o capital com o esporte é a que leva o setor para o caminho dos grandes espetáculos, nos quais, praticamente o que menos importa,  é o esporte em si. O que está em jogo, realmente, são as múltiplas vendas que podem ser feitas desde esta fatia mercadológica. A FIFA e outras instituições esportivas, tal como o Comitê Olímpico, transformam-se assim em multinacionais do esporte, com todas as misérias que daí decorrem.

Essa nova ética comercial inaugurada pela FIFA vai criando seus tentáculos em todo o planeta, e Santa Catarina não fica de fora. Daí o grande mérito do trabalho de Nilso Ouriques, que faz parte da Rede Brasileira de Estudos Latino-Americanos (REBELA), coordenada pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos, da UFSC. Ele consegue, nesta obra, traçar o caminho que o esporte local vai fazendo, desde as propostas amadoras até a sua transformação em mercadoria de alta renda, a ponto de as políticas públicas atuarem na construção de um calendário de eventos, capaz de se manter em atividade o ano inteiro, nos mais de 200 municípios, expondo os atletas a uma lógica de estresse e competição. A ação das Comissões Municipais de Esporte, dos Departamentos Municipais de Esporte e das Fundações Municipais de Esporte vão sendo desveladas e, ao final do livro,  o leitor consegue ter uma visão global de todo o processo, compreendendo quais são as forças que atuam no esporte catarinense e os problemas causados aos atletas e ao próprio conceito de esporte, na medida em que tudo é colocado sob a ótica do comércio, inclusive os seres humanos. “O esporte – diz Nilso – no meio municipal é autoritário, centralizado e profundamente viciado”.

O livro mostra ainda como, a partir da Nova República, os partidos de esquerda, juntamente com as universidades, começaram a trilhar um caminho crítico, de novas propostas. E, com a tomada de algumas prefeituras, nos anos 90, algumas políticas públicas começaram a ser implementadas levando em conta os desejos reais da população. Mas, a partir do ano 2000 essas idéias inovadoras e críticas começaram a vingar e, mesmo a esquerda, no poder, entrou na roda viva do esporte como evento, comércio, espetáculo e mercadoria. No caso de Santa Catarina, Nilso analisa a gestão de João Gizzoni, do PC do B, à frente da Federação Catarinense de Esportes. As idéias novas não vingaram porque o velho modo de conduzir o esporte não morreu. E, mesmo com a esquerda no comando, a grande política do esporte em Santa Catarina continuou sendo o calendário. Nilso desvela claramente que não há planos municipais de esporte e lazer e que tudo o que os municípios fazem é seguir o calendário da Fesporte. Ele observa ainda que, mesmo quando algum município trabalha pela viabilização do esporte comunitário, esta proposta acaba ficando perdida e desprotegida diante da forma hegemônica de conduzir o esporte no estado e na própria prefeitura. No geral, as atividades que envolvem comunidades são pontuais, rituais e não tem continuidade.

Há ainda toda uma análise da formação do profissional de Educação Física. Nilso mostra como os cursos, nas universidades, vão se adequando a esta lógica do esporte como evento, a tal ponto de preparar o aluno para serem gerentes, administradores esportivos, trabalhando sempre na lógica do marquetim e do comércio, transformando assim o esporte e o lazer num mero negócio. Sem mudar esta estrutura que vem desde a formação, o professor entende que é muito difícil o estado avançar para uma proposta em que o esporte possa ser vivido pelas gentes mesmas, nas suas comunidades, e como um espaço de lazer e brincadeira.

Agora, nestes dias em que o tema da Copa do Mundo de 2014 já começa a ser incensado na mídia como um grande momento para o país, a leitura do livro de Nilso Ouriques é uma boa dose de realidade. E, apesar de o professor joaçabense ainda depositar certa esperança no Partido dos Trabalhadores (uma vez que este é depositário de todo um debate que inovou a leitura do esporte nos anos 90), as declarações da presidenta Dilma Roussef (PT) no que diz respeito à Copa do Mundo e às Olimpíadas não parecem fugir da lógica de mercado a que estão submetidos estes megaeventos. Para se ter uma idéia, a Grécia, que ainda vive uma crise sem precedentes, teve a origem das suas dívidas impagáveis com os nove bilhões de euros que pegou emprestado para as Olimpíadas de 2004. Se o Brasil caminhar nessa onda, onde poderá parar?

As respostas para o esporte catarinense não aparecem como receita no livro de Nilso Ouriques. Mas, nos diversos artigos, alguns temas apontam caminhos. Uma guinada na formação, o comprometimento social dos profissionais da educação física, políticas públicas democratizadas, mudanças radicais na lógica do pensamento esportivo, a compreensão de que o esporte e o lazer são coisas que devem estar ligadas à saúde e a alegria de viver, o fim da politicagem no setor, enfim, novas liras para novas canções. Como bem se pode perceber na análise do professor, se as velhas práticas não forem extintas, o novo não pode surgir. O máximo que se pode chegar é a um remendo mal-arranjado, e isso, não é suficiente para mudar os conceitos e as práticas nessa área. Por enquanto, tudo é miséria!

Ouriques, Nilso. A Miséria do Esporte – reflexões sobre as políticas públicas em Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 2010  
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