por Pedro Cezar Dutra Fonseca*
A realização dos vestibulares das universidades federais com prova unificada nacionalmente é exemplo de como ideias simples e de aparente bom senso escondem mais problemas do que se pode imaginar. O propósito ministerial de implantar já neste ano a medida causa apreensão e incerteza em milhares de estudantes e suas famílias, surpresos com mudança abrupta nas regras sem prévio aviso e discussão ampla que o tema exige por sua envergadura.
À primeira vista, a proposta parece diminuir a exaustão de um concurso demorado; dizem os proponentes, pode melhorar o nível das questões; e os candidatos poderão beneficiar-se com um programa mínimo. Mas será que é unificando o vestibular que se enfrenta o grande problema da qualidade de ensino do país? Como se chegou a este diagnóstico inusitado? Nota-se que este, a rigor, não tem como foco a antiga controvérsia que questiona o próprio vestibular, pois o mantém – conquanto altere substancialmente sua forma, conteúdo e concepção.
Mas o mais grave é a pretensão de uniformizar o conhecimento, apagando peculiaridades regionais e padronizando o que deveria ser plural. Há muito custo, na UFRGS, por exemplo, lutou-se para se incluírem nas provas de história, geografia, literatura e português questões que envolvessem a cultura local, nossos autores, nossos problemas, nossa história. Elas representam percentualmente pouco no número total de questões, mas ao incluí-las no concurso sinalizou-se às escolas para que as incorporassem nos currículos dos ensinos fundamental e médio. Há visível tendência no mundo atual, a despeito da globalização, para a revitalização e o fortalecimento das culturas locais. Todos sabemos que o Brasil é marcado por sua expressiva diversidade cultural e regional; a tentação de apagar as peculiaridades e sufocar as diferenças, própria dos regimes autoritários, não esconde também a arrogância de se pensar que provas elaboradas em Brasília superam em qualidade as das próprias universidades.
A tão falada autonomia universitária começa pelo direito de as instituições definirem os critérios e as formas de seleção de seus alunos, sem o que não passará de fantasia. Regras e programas mínimos nacionais são admissíveis, mas nada melhor que deixar que cada uma lance mão de sua criatividade e imprima no concurso sua própria marca. No Rio Grande do Sul, temos o exemplo da UFSM, com várias inovações, como avaliações anuais ao longo do Ensino Médio; e definições, como da UFRGS, de oferecer opções quanto a língua estrangeira moderna e com pesos para as provas de acordo com o curso escolhido. Tudo isto poderá ser letra morta em nome de formarmos pessoas iguais do Oiapoque ao Chuí, algo que choca e fere o âmago do que significa a própria palavra Universidade.
*Professor titular e ex-vice-reitor da UFRGS
Zero Hora, 28 de março de 2009