Amanda Danuello é uma das mais recentes pesquisadoras do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia (IQ/UFU). Há pouco mais de seis meses na UFU, trouxe consigo pesquisas nas áreas da Química Medicinal, que visam ao planejamento, à preparação e à avaliação de compostos bioativos (substâncias que possam vir a se tornar medicamentos), e da Química dos Produtos Naturais, que busca descobrir novos bioativos de fonte natural, como as plantas.
A pesquisadora conta que a paixão pela Química Orgânica surgiu ainda na
graduação, mas o que contribuiu para essa atuação “híbrida”, entre Química Medicinal e a de produtos naturais, foi sua pós-graduação, realizada na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
Na UFU, sua linha de pesquisa busca otimizar a criação de fármacos. Ela explica que, quando são utilizados derivados da natureza, o processo para a transformação da matéria prima em medicamento pode ser muito complexo, trabalhoso e, em alguns casos, até inviável. Isso se dá por diversos fatores, entre eles, a escassez da fonte natural e a baixa quantidade da substância necessária presente nela.
O trabalho de Danuello, de maneira simplificada, trata-se da criação em laboratório de compostos que substituam o uso da matéria prima natural, ou seja, a elaboração de um sintético, que viabiliza a produção de medicamentos.
Atualmente, o foco de Danuello é a busca de novas formas de auxiliar no tratamento da leishmaniose, uma vez que há poucas alternativas terapêuticas para essa patologia e, segundo ela, todas apresentam efeitos colaterais. A doença, transmitida pelo protozoário Leishmania através da picada de insetos, atinge humanos e animais e é responsável por milhares de mortes todos os anos, sobretudo em países de baixa renda. Segundo o Ministério da Saúde, em 2017 foram confirmados no Brasil 4.456 novos casos de leishmaniose visceral, o tipo mais grave da doença. Entre eles, 875 apenas em Minas Gerais, estado com maior número de casos.
Sobre isso, Danuello levanta a discussão de que, quando se trata de doenças negligenciadas, como a leishmaniose, é necessário ser simples. Não é viável utilizar matérias primas escassas, materiais caros e procedimentos complexos para obter novos medicamentos. Metodologia que, de maneira alguma, minimiza o trabalho. A pesquisadora é direta ao citar Clarice Lispector: “que ninguém se engane, só se consegue simplicidade através de muito trabalho”.
Senna spectabilis ou Cássia-do-nordeste (Foto: Arquivo das pesquisadoras)
Recentemente, foi concluído o trabalho de mestrado da orientanda de Danuello, Letícia Takahashi. Nele foram desenvolvidos compostos inspirados na planta Senna spectabilis, conhecida como cássia-do-nordeste.
Para chegar ao resultado final, as pesquisadoras passaram por um longo trajeto que, diferente do que muita gente pensa, não vai direto ao laboratório. “Não trabalhamos aleatoriamente. Escolhemos um alvo biológico, desenhamos várias substâncias semelhantes (análogos) de acordo com técnicas da Química Medicinal, realizamos estudos computacionais para verificar quais delas têm a maior chance de ter atividade biológica e só então começa o trabalho no laboratório”, afirma a orientadora.
E todo esse trabalho rendeu frutos. Os compostos elaboradas por Takahashi e Danuello apresentaram potencial anti-leishmaniose e baixa toxicidade para células humanas.
Lantana trifolia ou Milho-de-grilo (Foto: Arquivo das pesquisadoras)
Além disso, a doutoranda Gáveni Valério, também orientada por Danuello, trabalha com a planta Lantana trifolia, popularmente conhecida como milho-de-grilo, que apresenta potente atividade anti-microbiana e também está sendo avaliada para o tratamento da leishmaniose.
Segundo a Danuello, a maior dificuldade a partir do desenvolvimento desses compostos é levar as descobertas para o público. Ela reforça a dependências dessas pesquisas da iniciativa privada, uma vez que o trabalho na universidade é feito em pequena escala e só alcança os primeiros ensaios biológicos. Para ser produzido em escala industrial são necessárias diversas outras avaliações mais complexas e caras, essencialmente realizadas pela indústria farmacêutica. “No Brasil, temos excelentes pesquisadores na área de química medicinal, reconhecidos internacionalmente, com descobertas extremamente promissoras, mas infelizmente os estudos não têm continuidade”, conclui Danuello.