Embora tenham começado a se popularizar na década de 1990, as discussões sobre mudanças climáticas e sobre uma crise ambiental global nunca estiveram tão em voga. O tema foi, nos últimos dias, o centro das discussões do Fórum Econômico Mundial, em Davos, levando o setor produtivo e a agenda econômica dos principais países do mundo a uma reflexão urgente: segundo a Organização das Nações Unidas, é preciso que até 2030 haja uma solução para a mudança global do clima ou estaremos sujeitos a um colapso.
O professor e pesquisador da Universidade Federal do Paraná, Carlos Sanquetta, titular do Departamento de Ciências Florestais, acompanha essa discussão de perto desde que ela veio à tona, há cerca de 30 anos, e evita um discurso catastrófico. Desde que começou a estudar o assunto, viu o Protocolo de Quioto, tratado internacional para reduzir a emissão de gases do efeito estufa, surtir efeitos práticos importantes. Também viu, recentemente, crescer o ativismo e a preocupação do setor produtivo com energias mais limpas.
Sua atuação, que envolve a participação em membro do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), desde 2012; como membro da Delegação Oficial do Brasil na Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, desde 2006; como expert da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, desde 2013 e como membro do Fórum Paranaense de Mudanças Climáticas, desde 2014; inclui uma preocupação permanente com a teoria, mas também com questões práticas, propostas e soluções sustentáveis para o clima.
O pesquisador, que também coordena o Centro Biofix de Pesquisas em Biomassa e Carbono, na UFPR, explica que o aumento da população e a utilização intensa dos recursos naturais pela humanidade promove a ampliação da emissão dos gases de efeito estufa. “Esses gases de efeito estufa já vem sendo estudados há muitos anos e não é de agora que se sabe que têm a propriedade de afetar a sensação térmica da temperatura da atmosfera”.
Como os gases funcionam como um cobertor, maiores concentrações aquecem o planeta, tornando-se prejudiciais para a vida humana, os ecossistemas, os seres vivos. “A ciência já concluiu com uma boa dose de certeza que a interferência humana é decisiva na questão do aumento da temperatura causada por esses gases de efeito estufa. Nós precisamos reduzir as emissões, e aí vêm várias medidas de mitigação”, explica.
Essas medidas de mitigação, segundo o professor, podem ter impactos a curto, médio e longo prazo, em microespaços e também em níveis globais. Entre as medidas mais conhecidas está o sequestro de carbono, tema com o qual ele trabalha e que prevê compensações às emissões de gases como o metano e o CO2 e também o uso mais adequado do solo. “Nosso papel aqui, principalmente nesse laboratório, é desenvolver metodologias, técnicas, quantificações para que a gente comprove que isso realmente traz um benefício em termos de redução das emissões e, por outro lado, para que o que já foi emitido possa ser removido”, exemplifica.
Nesta entrevista, o professor trata da temática, apresenta um panorama das discussões globais sobre o assunto e sugere um caminho em que a ciência seja fonte de instrução e da busca de soluções para a crise global mundial.
Entrevista concedida em 23 de janeiro de 2020.
A crise climática global tem pautado uma série de discussões, agora também com um forte viés econômico, a partir do que se discute no Fórum Econômico de Davos. O senhor acredita que chegamos mesmo ao limite?
O planeta Terra tem capacidade de se recuperar. Depois de mais de 60 anos, 70 anos nós vamos lá em Hiroshima e Nagasaki e vemos essa recuperação. Para que maior desastre para humanidade do que duas bombas atômicas? Hoje você enxerga lá parques, pessoas, animais na natureza e o ambiente humano funcionando bem, apesar de todo o impacto ambiental e humano que se provocou. Então, a Terra tem capacidade de resiliência, mas nós não podemos abusar dela.
Eu acredito que nós chegamos num ponto crucial, mas ainda tem muito espaço para nós nos recuperarmos naturalmente. Para isso, no entanto, é fundamental que a ação humana seja desenvolvida para facilitar esse processo, que nós façamos a nossa parte. É uma obrigação moral de cada um de nós e dos governos também. Ser muito alarmista talvez seja exagero. Faz parte do ativismo trazer essa conotação porque isso move a sociedade. De outro lado, os céticos e negacionistas também estão se equivocando em deixar esse assunto de lado, porque ele pode trazer consequências para as futuras gerações – e para a nossa também.
O senhor é membro do IPCC e especialista da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas. O que vem sendo discutido nestas organizações para conter essa crise?
Essas entidades reúnem pessoas que são isentas e trabalham para ciência, em todo mundo. Então, nessas reuniões, eu encontro com pessoas da China, Austrália, do Canadá, da Itália, do Quênia. Todos são de universidades, centros de pesquisa e instituições como a NASA, como a organização meteorológica mundial. Enfim, têm pessoas e profissionais de todas as áreas, completamente isentos e neutros, o que reveste de credibilidade essas entidades e pessoas que as representam.
Entre outras coisas, hoje nós estudamos quais são as necessárias medidas que tragam realmente impacto positivo, ou seja, é preciso sair desse impacto negativo que nós provocamos, buscando energia renovável, buscando mais áreas verdes, uma interação mais positiva com o meio ambiente. É possível que economia e ambiência andem juntas. Essas são as formas que temos buscado para encontrar soluções. O assunto é muito complexo e tem muita gente conversando sobre ele, em um fórum também muito complexo. Então às vezes é difícil avançar, mas tem havido avanços.
Então muito mais do que debater as causas, a atuação é para propor soluções?
Sem dúvidas. Existem vários capítulos ou vários grupos trabalhando: um grupo trabalha mais com a ciência do clima, com a questão de como isso tudo funciona, quais as causas e consequências. Outros grupos trabalham mais com vulnerabilidade, mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O importante mesmo são essas soluções, embora os assuntos de base também sejam.
E essas soluções são encaminhadas como relatórios, como documentos?
Sim. São várias decisões e relatórios, vários canais para isso: vídeos, materiais mais diversos. É importante levar esse material para disseminar e para orientar crianças, pessoas menos favorecidas em termos de educação formal, com maior grau de instabilidade social. Outro foco importante também são os empresários, os tomadores de decisão.
Qual o papel do setor econômico e dos cidadãos diante dessa ameaça?
O governo pode fazer sua parte nas diferentes esferas: em nível internacional, na ONU, nos seus países, com os governantes em escala federal, e também os governos estadual e municipal precisam estar atentos a isso. Essa participação do poder público, das entidades do terceiro setor e da academia mostra que todo mundo tem que trabalhar, mas realmente o que faz a diferença, quem pode reduzir emissões, quem pode melhorar a qualidade ambiental, quem pode produzir sustentavelmente são as empresas, agricultores e o setor produtivo.
Eu tenho percebido, naquilo que eu leio, nos eventos e reuniões que participo com o setor empresarial, que há muita mobilização da parte deles, mais do que nos governos. Nas últimas conferências das partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre mudanças climáticas se percebe o papel da aviação, do setor econômico, financeiro, bancário, no setor de serviços, a própria agricultura e pecuária, vários setores mostrando esse interesse e gerando bônus verdes, gerando certificações e produtos mais bem elaborados do ponto de vista das matérias primas, com menos insumos concentração de carbono.
É preciso que o setor empresarial brasileiro também vá na mesma direção. Uma questão bem importante está relacionada aos financiamentos: o dinheiro que vai ser usado para financiar os setores econômicos, daqui para frente, ficará naquelas empresas que tiverem demonstrado boas práticas com relação à questão ambiental de uma forma geral e com relação, principalmente, às questões climáticas, pois a questão climática gera um risco financeiro e os financiadores querem garantias. Hoje, para financiar um empreendimento, eles avaliam o risco climático, o risco ambiental.
Do outro lado, além das coletividades, as pessoas, individualmente, podem fazer a sua parte. O caso do etanol é um exemplo, procurar gerar menos resíduos, não gerar lixo desnecessariamente, usar melhor a água. Tudo o que a gente usa promove emissão, então a gente pode fazer a nossa parte. Os nossos alunos, por exemplo, aprendem a fazer o inventário de gases de efeito estufa da sua casa e também de uma empresa. Nós também ensinamos os alunos a fazer esse cálculo e como mitigar plantando árvores, diminuindo as emissões, reduzindo o lixo, adotando árvores. Tem vários mecanismos e nós podemos fazer nossa parte: comprar produtos certificados é uma recomendação. É preciso saber que tipo de atitude tem as empresas, ler os rótulos e lutar e cobrar dos nossos governantes legislação e aplicação de mais medidas.
Recentemente o Brasil foi pauta mundial por conta das queimadas na Amazônia e das políticas públicas relacionadas ao meio ambiente. Acredita que a comunidade científica internacional está atenta aos nossos problemas locais?
Está sim. Eu fiquei, recentemente, um ano e pouco em Portugal, me comunico bem com a comunidade internacional e percebo muita preocupação. Interessa à sociedade e ao mundo acadêmico dos diferentes países. Eu diria que eles têm interesses diversos, mas, em geral, são legítimos, para o bem.
Temos forte conexão com pesquisas na Amazônia, com ONGs, com entidades do meio universitário. Percebemos que as queimadas, nos últimos dois anos, preocupam muito e temos de encontrar meios de diminuir isso. A gente anda pelas fazendas e vê uma máquina de desmatamento. E isso não é de agora. Se intensifica quando há um abrandamento nas políticas de repressão e menos estímulo: quando o país vai mal economicamente, há um afrouxamento nessa questão.
A situação é crítica: conheço todos os estados da Amazônia e nós trabalhamos num projeto de sequestro de carbono lá, pra exatamente recuperar as nascentes, diminuir impactos das queimadas, produzir produtos alternativos à pecuária intensiva e sistemas agroflorestais, que envolvam a agricultura familiar.
Aqui no Brasil eu tenho acompanhado profundamente essa questão e enfrentei pessoalmente essa crise, respirando aquela fumaça praticamente impossível de se respirar. Era como colocar uma cabeça dentro de uma churrasqueira.
As pesquisas aqui desenvolvidas podem ser uma alternativa a essa crise? Qual o tipo de impacto delas a curto, médio e longo prazo?
Nós temos que pensar, até por um compromisso moral, nas futuras gerações. O que a gente vem desenvolvendo tem essa perspectiva de curto, médio e longo prazo. Trabalhamos numa escala micro, o nosso meio, cidade, casa; numa escala regional, nosso Estado, grandes regiões; e também o nosso país e o mundo. O Brasil é só uma fronteira geográfica que num certo momento foi definido, mas o que nós fazemos aqui tem impactos globais.
Então, procuramos desenvolver pesquisas em conjunto no ambiente de redes com outras instituições nacionais e internacionais, com nossos alunos, que trabalham com grandes temas que também tem uma ligação com essas questões. Nós temos, sim, que produzir produtos de curto prazo: um aluno de doutorado tem quatro anos, de mestrado tem dois, o de graduação tem de se formar – mas também temos de produzir pesquisa de alcance e elaborar os nossos produtos. A gente faz coisas que realmente produzem impacto: produtos e serviços, como softwares, livros, fazemos cursos, capacitações, cursos de especialização, cursos de extensão para comunicar o público de imediato, para que seja de fácil alcance, numa linguagem mais simples para quem trabalha, para quem é estudante.
Também fazemos pesquisas mais profundas. Nós temos aqui trabalhos com torres de fluxos que analisam as trocas gasosas da atmosfera com as árvores e analisamos os fluxos de carbono no solo. Analisamos o conteúdo de carbono nos produtos florestais: no papel, nos móveis e analisamos várias tecnologias, com drones, imagens de satélite, para avaliar não só numa escala micro, mas numa escala macro.
Nós já estamos indicando soluções, por exemplo, de plantio em Rondônia: a gente já tem uma receita de como plantar para recuperar nascentes, para sequestrar carbono, para proteger essas propriedades para que elas não percam a qualidade ambiental.
Tem um software que nós fizemos aqui que permite acessar o Google Maps e quantificar carbono de uma propriedade. Nós temos também trabalhos com bambus, que são espécies que crescem muito rápido e que já deram uma resposta muito boa em termos de sequestro de carbono.
O senhor acredita que a “economia limpa” é uma realidade a ser alcançada em um curto espaço de tempo, considerando as estimativas de que temos até 2030 para reduzir a emissão de poluentes?
É um desafio grande, porque nós temos visto, de uma forma geral, que no mundo tem aumentado as emissões de gases de efeito estufa. Também a qualidade ambiental, em alguns quesitos, como a água, uso de agroquímicos etc, tem piorado, então nós temos um desafio grande. Mas eu acredito que é possível e que as empresas têm feito a sua parte, buscando energias mais limpas e procurando ser mais eficientes energeticamente. As pessoas também estão mais esclarecidas.
É possível? É, mas é preciso intensificar políticas públicas, ações nesse sentido. Eu acho 2030 um prazo muito curto para termos resultados efetivos, mas temos que ter metas de curto, médio e longo prazo. É preciso agir já, sem demorar, com ações antecipadas.
Pessoas e empresas estão muito envolvidas, especialmente às que têm acesso à informação mais qualificada. Por isso é importante a educação ambiental, para que todos tenham essa informação correta e possam repassá-las. Esse desafio vai se concretizar em termos de resultados no longo prazo. Eu não acredito que até 2030 nós tenhamos resultados expressivos, mas se nós tivermos algum avanço, como foi o Protocolo de Quioto haverá benefícios.
Com o protocolo, que termina este ano, houve uma redução muito grande de gases de efeito estufa. Se ele não existisse, estaríamos numa situação muito pior: os aterros sanitários que existem no Brasil, as geradoras de energia eólica, vários outros projetos na área de suinocultura ocorreram graças ao MDL, mecanismo de desenvolvimento limpo previsto ali.
A ativista ambiental Greta Thumberg pediu, em Davos que os líderes mundiais “ouvissem a ciência” sobre a possibilidade de um colapso climático. Como o senhor avalia esse diálogo entre a produção científica e as políticas públicas do setor econômico e ambiental?
É preciso, sim, valorizar o conhecimento produzido na Universidade. Nós temos procurado ocupar esse espaço com publicações, com livros, com vídeos, com palestras em vários meios. Os mecanismos do terceiro setor também fazem bem seu papel. Eu acho que o papel da academia não é só de produzir conhecimento, mas levar esse conhecimento para a sociedade, para os políticos, que muitas vezes precisam ser convencidos do que dizemos. É só lembrarmos como a comunidade científica reagiu um tempo atrás, quando houve toda uma série de descrédito com relação aos números do desmatamento e com relação aos impactos das mudanças climáticas por conta do uso de agrotóxicos. O nosso papel é levar a verdade e nós precisamos ter a consciência de que esse conhecimento