Tida como a mais antiga do mundo, a Universidade de Bolonha foi fundada há mais de novecentos anos. A Universidade de Salamanca completou oitocentos anos em 2018. Nas Américas, a Universidade Nacional Maior de São Marcos, no Peru, é a mais antiga, fundada em 1551. No Brasil, até o início do século XX, não havia uma única Universidade.
O atraso do Brasil na criação de universidades – e mesmo de cursos superiores, só abertos quando a Corte Portuguesa aqui aportou, em 1808 – explica parcialmente por que ainda estamos discutindo se devem ou não ter autonomia (e, em alguns espaços, até mesmo se universidades são importantes para o país). Nossa cultura universitária é recente e limitada a uma reduzida parcela da população.
Em nosso breve percurso, foi em 1988 que a Constituição Federal consagrou o princípio da autonomia universitária, refletindo a luta contra a ditadura e sua interferência nas Universidades Públicas. Essa é, todavia, uma conquista ainda por ser plenamente realizada. Na falta de familiaridade maior com o tema, os debates com frequência refletem preconceitos, interesses não republicanos, ou simplesmente desconhecimento.
Entenda-se: Universidades Públicas Federais são fiscalizadas por todos os órgãos de controle do Governo Federal, como quaisquer outras autarquias ou órgãos da administração pública direta. Autonomia não tem qualquer relação com a necessária transparência e prestação de contas.
A autonomia universitária diz respeito à liberdade de cátedra, liberdade de pensamento e regras de autogestão acadêmica e administrativa, que garantem a construção de consensos em espaços necessariamente plurais e democráticos. Essas são feições indispensáveis de instituições que esperam de seus atores a dedicação a projetos inovadores, capazes de sustentar um processo de desenvolvimento contínuo, no lugar da reprodução cotidiana de rotinas burocráticas. É assim que funcionam as boas universidades no mundo.
Há países onde a escolha de dirigentes universitários se dá pelo voto direto de toda a comunidade universitária – docentes, discentes e técnicos(as); há países que adotam comitês de busca; há outros onde Conselhos Superiores deliberam isoladamente sobre a matéria.
No entanto, não há países (democráticos) com universidades de qualidade, onde os(as) reitores(as) são escolhidos com base em seu perfil ideológico. Muito menos países onde um(a) docente pode ser recusado(a) por sua comunidade e, ainda assim, tornar-se reitor(a). Sem liderança e respeito intelectual ninguém dirige com sucesso uma instituição universitária – e isso vale para qualquer boa universidade, em qualquer lugar do mundo.
Estamos no Brasil. Na realidade política e social brasileira, quando a escolha de dirigentes das Universidades Públicas respeita a autonomia, o sistema como um todo reflete a pluralidade de ideias e evolui com maior sucesso. Os grupos acadêmicos, independentemente de sua identificação política com os gestores, sentem-se encorajados e apoiados em seu esforço de aprimoramento do ensino, da pesquisa e da extensão. Essa é a nossa experiência histórica. Quando as interferências externas acontecem, ao contrário, as Universidades Públicas brasileiras empobrecem, perdem protagonismo no desenvolvimento social, econômico e político, e quem arca com o ônus é toda a sociedade.
Emmanuel Zagury Tourinho é reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA)
Artigo originalmente publicado no jornal O Liberal em 18/10/2020