14 universidades federais não têm resolução para uso do nome social

Das 63 universidades federais brasileiras, 14 não têm nenhuma resolução interna a respeito do nome social – modo como pessoas transexuais e travestis se autoidentificam e são reconhecidas. Entretanto, nova portaria do governo federal determina a aceitação e parte dessas universidades sinaliza que adotará, em breve, nova regra.

Nesta terça-feira (17), Dia Internacional contra a Homofobia e Transfobia , internautas lembraram a data com a hashtag #MenosHomofobiaEmais.

Desde 2009, quando a Universidade Federal do Amapá (Unifap) criou a determinação, outras 48 instituições desenvolveram documentos dispondo sobre a inclusão do nome social de estudantes e servidores. A quantia representa 78% das universidades federais.

O levantamento feito pelo G1 aponta que, das 22% sem resoluções internas a respeito do nome social, oito têm documentos em discussão, análise, elaboração ou tramitação; quatro seguem outras medidas como portarias do Ministério da Educação (MEC) e da Secretaria de Direitos Humanos, e duas não têm resoluções sobre o tema.

O decreto nº 8.727/2016 assinado pela presidência em abril, no entanto, determina que o nome social seja usado nos órgãos do serviço público federal, como as universidades federais, tanto por servidores, quanto por usuários. Dessa forma, na teoria, as 14 universidades que ainda não têm resoluções próprias devem passar a seguir o decreto.

Para a presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) Keila Simpson, as medidas de nome social abrem espaço para a população, que, historicamente, tem pouca presença no ensino superior. “Qualquer ato que venha a favorecer uma pessoa travesti ou transexual no Brasil já vai valer nossa luta. Com o nome social, as pessoas que tinham dificuldade de fazer um curso voltam a ter vontade de enfrentar esse processo”, diz.

Keila destaca, no entanto, que isso não isenta nenhuma pessoa de lidar com preconceitos. “As academias são formadas por pessoas e as pessoas têm seus preconceitos. Mesmo que no âmbito legal a condição da população transexual e travesti seja respeitada, no ambiente público ela não vai estar imune de qualquer retaliação”, afirma.

Trajetória de luta na UnB

O transexual Marcelo Caetano, 26, estudante do mestrado em Direito na Universidade de Brasília (UnB) – que tem uma resolução em processo de tramitação – utiliza o nome social no meio acadêmico desde 2012, quando o conselho da universidade o autorizou. Marcelo, que se formou em Ciências Políticas no início de 2016, foi considerado o primeiro homem negro e trans a se graduar na UnB.

Ele conta que, apesar de ter tido o direito de usar seu nome social nas provas e em outros processos, o sistema em que as notas eram lançadas só aceitava o nome civil. A cinco dias de sua colação de grau, Marcelo aparecia como desligado da universidade por ter sido reprovado em duas disciplinas. “Os professores não te encontram pelo nome social e você reprova na matéria porque seu cadastro está com outro nome”, conta.

Para ele, a situação é um exemplo de que não é suficiente a instituição regulamentar o nome social sem que outras medidas de inclusão acompanhem a decisão. “Você tem que realmente se propor a dar dignidade e respeito a essas pessoas. É pensar em formação e capacitação tanto dos funcionários quanto dos professores. Dentro do debate acadêmico, propor outras reflexões a respeito da ideia de transexualidade e de como ela é vista”, diz.

Segundo Marcelo, boa parte do preconceito no âmbito universitário vem dos próprios estudiosos. “Temos que rever academicamente o que estamos pensando sobre o assunto. Pensar em colocar pessoas trans como bibliografia de estudos, porque elas não são reconhecidas. Tornar a universidade mais próximas dessas pessoas e contribuir para o empoderamento”, afirma.

O estudante considera o nome social uma maquiagem da situação das pessoas transexuais e travestis. “De maneira geral, considero a política como uma gambiarra porque você pode aplicá-la em algumas situações e em outras não, e essa fragilidade continua te botando em uma série de constrangimentos”, conta. “Você tem políticas públicas garantidas para mulheres, indígenas, mas nada que reconheça essa população. E aí quando existe esse dispositivo que serve para garantir minimanente a participação em uma vida em sociedade, ele é feito de forma precária”, diz.

Pernambuco

A estudante travesti Ana Flor Rodrigues, 20, começou a frequentar este ano as aulas de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que aprovou resolução sobre o nome social em 2015. Segundo ela, o processo para cadastrar o nome durante a matrícula é simples, mas ressalta a dificuldade da permanência na universidade. “Às vezes pensamos que o fato de ter entrado na universidade vai garantir a permanência também, mas não é assim. Vemos pessoas que não conseguiram terminar o curso porque a universidade não dá auxílio para que permaneçam”, diz.

A estudante faz ressalvas ao falar da medida. “É uma maneira importante para a permanência na universidade mas, indo para uma visão nacional, funciona como uma gambiarra porque não é o que queremos”, diz. “Começamos a perceber que não é só isso quando achamos que por existir uma resolução não seremos violentadas, mas vemos professores e funcionários nos tratando no masculino. A violência existe e está muito presente”.

Segundo Ana Flor, a vida universitária vem um com prazo de validade e, por isso, o diálogo tem que ser interno e externo. “Temos que atingir a segurança, os professores, os que trabalham na limpeza. Que estejam informados de que é preciso usar o banheiro, que respeitem o nome das pessoas. É preciso impulsionar debates, diálogos, construções nas quais pessoas trans poderão falar sobre o nome social dentro e fora da universidade porque não é lá dentro que se encontra um grande número de transexuais e travestis, mas fora”, afirma.

O ideal, para Ana Flor, é que o Brasil siga o exemplo da Argentina e possibilite, nos cartórios, a retificação do nome e gênero designados no nascimento, de forma que a decisão valha para todas as situações. O projeto de lei (PL) 5002/2013 – denominado Lei João W. Nery – sobre identidade de gênero de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Erika Kokay (PT-DF) atualmente está pronto para apreciação no plenário.

Política de inclusão

A coordenadora do Núcleo de Políticas de Gênero e Sexualidades da Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Violeta Holanda afirma que a universidade é prova de que é possível criar políticas para a população transexual e travesti. O núcleo, criado em 2013, tinha o intuito de formação de alunos e fortalecimento da temática, mas também passou a ajudar alunos que sofrem violências por causa de sua identidade de gênero.

“São políticas afirmativas que abraçamos com muito respeito porque são de pessoas que tiveram o acesso ao ensino historicamente negado”, diz. “Não temos só uma resolução porque só isso não adiantaria, mas uma série de atividades educativas, de cursos, palestras, campanhas, pesquisas. As pessoas precisam ser educadas e é preciso que a gestão da universidade também desenvolva projetos e políticas públicas na região”, afirma Violeta.

Para a coordenadora, o legado é perceber que, a partir das medidas, a qualidade de vida dos alunos melhora. “O grande aprendizado que a gente tira é de que, mesmo com toda uma diversidade de situações, é possível que o ser humano seja educado e proporcione uma qualidade de vida melhor e uma ampliação da noção de respeito ao convívio”, conta.

Universidades

Confira abaixo as 14 universidades que não têm resoluções próprias a respeito do nome social e o que cada uma alega.

– Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD): a minuta de um regulamento foi criada e deveria passar para um procurador federal para a análise. A universidade, no entanto, estava sem procurador até abril, mas diz que irá retomar a tramitação em breve.

– Universidade de Brasília (UnB): resolução está em processo de tramitação, mas, em 2012, a universidade aprovou uma medida permitindo o uso do nome social. Ela não abrange, no entanto, o diploma e histórico escolar, por exemplo.

– Universidade Federal da Fronteira do Sul (UFFS): resolução para regulamentar o uso já tramita no conselho universitário, mas já há memorando com orientações sobre seu uso. Sobre o decreto federal, a universidade afirma que já iniciou os trabalhos de atualização dos formulários.

– Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila): afirma que seguirá o que regulamenta o decreto federal e aprovará em breve resolução interna com mais detalhes.

– Universidade Federal de Alagoas (Ufal): tema está em discussão após a solicitação de um aluno e deve ser regulado até julho deste ano.

– Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG): regulamentação está sendo elaborada e, segundo a universidade, deve ser submetida à aprovação em breve.

– Universidade Federal de Campina Grande (UFCG): considera a portaria da Secretaria de Direitos Humanos da presidência da república suficiente e analisa caso a caso as demandas.

– Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio): resolução ainda não foi assinada, mas tem prioridade de discussão e será baseada no decreto da presidência. O nome social será válido a partir da publicação da medida interna.

– Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob): resolução está sendo elaborada para votação. Universidade afirma seguir portaria nº 1.612/2011, do Ministério da Educação (MEC).

– Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa): discussões ainda estão em fase inicial, mas também afirmam oferecer o nome social com base na portaria nº 1.612/2011 do MEC. Segundo a universidade, a resolução interna se baseará na legislação vigente.

– Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): medida está em análise.

– Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa): não tem resolução em discussão, mas afirma que, quando houver demanda, será atendida.

– Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM): não tem nenhum documento em discussão, mas afirma que não se furtará a atender solicitações com base na resolução nº 12 de 16/01/15 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos das Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, da Secretaria de Direitos Humanos.

Fonte: G1