O Fies na berlinda

Financiar universitários é uma política importante, mas o principal gargalo da educação superior está mais embaixo, no ensino médio

Poucos previram, quando o Fies foi turbinado em 2010 ao facilitar as condições de adesão e pagamento, que os resultados de nossa principal política de financiamento do ensino superior privado seriam tímidos até agora.

O diagnóstico de que era preciso ampliar o financiamento para impulsionar o crescimento das matrículas pelo setor privado não era só do governo. Analistas e representantes de universidades particulares também defendiam que esse era um dos principais — senão o principal — gargalo do ensino superior. Era uma análise que fazia algum sentido: depois de uma ampliação vigorosa das matrículas desde 1995, o setor privado dava sinais de que estava perdendo o vigor ao crescer a taxas menores. A evasão era, e continua sendo, um problema sério, e havia uma nova classe média apta a ingressar no ensino superior, mas que precisaria de apoio financeiro para se manter. Parecia uma estratégia perfeita, que beneficiava o estudante, e de risco zero para as universidades.

O MEC então ampliou de R$ 1 bilhão para R$ 14 bilhões o gasto com o Fies desde 2010. Hoje, mais de 700 mil universitários são beneficiados, em comparação com apenas 76 mil há cinco anos. Porém, o ritmo de crescimento das matrículas e, mais importante, dos concluintes, em vez de acelerar, caiu no setor privado. Muitas universidades passaram a incentivar alunos já matriculados em seus cursos a migrarem para o financiamento estatal. Outras abusaram de propagandas para atrair novos estudantes com a promessa de financiamento de 100% da mensalidade. Isso explica em boa parte a justa revolta de universitários desesperados porque não conseguem aderir ao Fies e que passaram a ser ameaçados com o cancelamento da matrícula pelas mesmas instituições que até pouco tempo vendiam tanta facilidade com dinheiro público.

Ainda é cedo, no entanto, para dizer que o Fies fracassou. Muitos dos alunos com financiamento estatal ainda estão estudando. Se o programa ajudá-los a chegar ao fim do curso, isso pode ter impacto positivo no número de concluintes no ensino superior, estagnado ao redor de um milhão de alunos nos últimos cinco anos.

Porém, mesmo que bem feito, o financiamento do ensino superior não resolve um problema mais grave: ainda são poucos os que se formam no ensino médio. De 2007 a 2013, as matrículas no antigo segundo grau se mantiveram praticamente estáveis, apesar de o número de concluintes no ensino fundamental ter crescido 9%. O último dado de concluintes do ensino médio, referente a 2012, mostra que apenas 1,9 milhão de estudantes completam esta etapa. Considerando que a população de 17 anos no país é de 3,5 milhões de jovens, isso significa que, se todos se formassem na idade certa, poderíamos ter quase o dobro de alunos aptos a ingressarem no ensino superior.

O quadro é ainda mais preocupante se levarmos em conta a qualidade do ensino. De acordo com o movimento Todos Pela Educação, apenas 9% dos estudantes do 3º ano do ensino médio têm aprendizado adequado em matemática. Em língua portuguesa, são 27%.

Não à toa, boa parte da expansão do ensino superior no país nos últimos anos se deve a jovens adultos que, mesmo já tendo completado o ensino médio há algum tempo, voltaram a estudar. Segundo a Pnad, do IBGE, 45% dos matriculados no ensino superior têm 25 anos ou mais de idade.

O Brasil precisa urgentemente aumentar o número de alunos que se formam no ensino médio em condições acadêmicas de frequentar uma universidade. Sem resolver esse problema, qualquer política no andar de cima, por mais que necessária, será apenas paliativa.


Antônio Goes – O Globo