A educação superior privada não pode se reduzir ao ensino

A cada dez alunos do ensino superior brasileiro, oito estão na rede privada e a maior parte deles estuda com professores sem doutorado. Esse dado leva a crer que persiste a dicotomia entre universidades públicas, entendidas como destinadas à pesquisa e produção de conhecimento, e instituições particulares, focadas na formação profissional para o mercado.

Tal realidade se observa no mínimo desde 1998, como mostra o Censo da Educação Superior (MEC/INEP) daquele ano. Tínhamos, então, 165.122 docentes atuando em instituições de ensino superior, sendo apenas 31.073 com doutorado. Destes, 23.544 (76%) estavam na rede pública e 7.529 (24%) na rede particular.

Embora o número total de doutores tenha se ampliado (hoje são 134.494), a maioria (67%) se concentra nas faculdades e universidades mantidas pela administração pública. A rede privada, que tem quase 6 milhões de estudantes, divide os 44 mil doutores restantes. A questão é: será que a formação ministrada nessas instituições consegue ser suficientemente ampla, ou corre-se o risco de acentuar apenas os requisitos de uma habilitação técnico-profissional?

A função social de uma IES envolve a reflexão e a produção de conhecimento nos mais diversos campos. Isso não se alcança só com o trabalho nas salas de aula, ou com a preparação do alunado para o “fazer”. Cabe à educação superior, de acordo com a Lei 9.394/96 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional), “incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive” (artigo 43, III).

E não se trata apenas de um aspecto legal, mas de qualidade e de impacto social da formação. Professores que são pesquisadores atuam na produção de conhecimento voltado para a transformação da realidade pesquisada. Quando o processo e a experiência de pesquisa fazem parte da atitude cotidiana do docente, do discente e da instituição, o processo educativo é mais rico e socialmente mais relevante. Ao mesmo tempo que o estudante aprende e incorpora a prática da pesquisa e se alinha com as tendências e saberes de ponta, ultrapassam-se os muros da instituição e o conhecimento produzido se insere no contexto humano e social, para dialogar com este e transformá-lo.

Pelo momento, o círculo vicioso está cristalizado. Nas instituições privadas, há pouca viabilidade econômica para fazer pesquisa. Dificilmente os custos podem ser repassados aos alunos e, ainda por cima, os professores não têm tempo, pois estão alocados em sala de aula. Por isso, os doutores brasileiros preferem trabalhar nas universidades públicas, onde encontram incentivo à pesquisa, apoio à continuidade de seus estudos e a chance de conciliar a docência com a investigação. Como atrair estes doutores para o ensino privado?

É hora de colocar a questão no interior das políticas públicas de ampliação das vagas em faculdades e universidades, para termos não só milhões de novos profissionais ingressando a cada ano no mercado, mas também cidadãos com possibilidades significativas de atuar na produção de conhecimento crítico, na reflexão e na inovação contínua.

Andrea Ramal – G1