A importância de se pensar a cidade – Por Soraya Smaili

A relação do ser humano consigo próprio e com a natureza se configura como uma das bases da geografia. Por meio de seus conceitos, metodologias e categorias analíticas, cabe à ciência geográfica contribuir para a análise e compreensão das dinâmicas territoriais em interface com as mazelas da população que ocupam os espaços.

Com as transformações do mundo em ritmo mais acelerado, com grandes deslocamentos e com a humanidade se tornando mais urbana, trabalhar as noções da geografia na prática é, em suma, de caráter vital. Um dos caminhos para viabilizar essa produção está na expressão material dessa relação sociedade-natureza junto com o saber universitário.

Um exemplo a ser citado nesse sentido é o da zona leste da cidade de São Paulo. Na década de 1980, após a redemocratização do Estado, a região foi um importante campo de mobilização popular e ações de base. Dentre os destaques dessas intervenções estão as ações em favor da ampliação do acesso à escola básica, da abertura dos colégios no período noturno e da democratização da escola. A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) se abriu a esses movimentos e, junto com a comunidade local, conquistou, após muitos anos, o terreno onde iniciou a instalação do campus zona leste.

As demandas da sociedade civil em prol de direitos básicos para o cidadão —como uma educação pública de qualidade— são o pontapé inicial para o diálogo com o poder público e com a esfera acadêmica, que refletem o processo humano de transformações e ocupações.

A zona leste hoje abriga uma população que supera 4 milhões de pessoas. Apesar de ser uma das maiores regiões tanto em termos de território quanto de população, ela ainda carece de infraestruturas e projetos que atendam às suas complexidades e necessidades. Em diálogo com a mobilização de movimentos sociais e com a necessidade de reforçar o ensino público, a zona leste terá o Instituto das Cidades, o novo campus da Unifesp. Seu projeto político-pedagógico foi formulado e influenciado por uma série de movimentos sociais da região, que ressaltaram os problemas urbanos e o direito a uma cidade mais sustentável e humanizada.

Para o novo instituto, o tema “cidades”, além de inovador, está em linha com o nosso tempo e sociedade. Terá na geografia, bacharelado e licenciatura, o primeiro programa de graduação. O instituto também poderá ser um espaço experimental de produção e gestão de cidades, em que o próprio campus se torna objeto de pesquisa e intervenção, projeto e construção.

É relevante levantar o fato de que o curso de geografia do Instituto das Cidades será o primeiro a ter vagas ofertadas a partir de 2020. No futuro, o campus abrigará os cursos de administração pública, arquitetura e urbanismo e engenharia civil, entre outros da mesma temática. Porém, pensar e experimentar a ocupação dos territórios começa justamente pelo entendimento das ciências geográficas. Assim se fortalecerá o território em correntes cada vez maiores: a zona leste remete à cidade; a cidade, ao estado; o estado, ao país; e o país, ao mundo.

A Unifesp, como universidade pública, assume o desafio e prospecta o futuro a serviço dos jovens e da educação.

Soraya Smaili é reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo