A ordem é globalizar

A universidade Harvard , a melhor do mundo em vários rankings internacionais, decidiu se lançar em busca de tesouros, estudantes, professores e, sim, dinheiro

Globalização, crise, diversificação. As palavras que regem a expansão internacional de tantas empresas americanas têm levado a melhor universidade do mundo, Harvard, a se lançar em uma busca por recursos humanos e financeiros no exterior. Desde que assumiu a reitoria, em 2007, Drew Faust visitou China, Japão, África do Sul e Botsuana, além de Canadá e países europeus. Na semana que vem, ela visita o Brasil e, em seguida, o Chile. A meta sempre é estreitar o laço com os países visitados e recrutar alunos, professores e fundos. Em 2010, 1 em cada 5 alunos de Harvard veio de fora dos EUA. Faust também impulsionou a presença internacional da universidade inaugurando, em 2008, escritórios na Índia e na China. Antes, a instituição fincou o pé no Brasil, na Argentina, no Chile, na Itália, na França, na Grécia e no Japão. A reitora recebeu a Folha na semana passada em seu gabinete, em um dos prédios mais modestos do campus    da universidade em Cambridge, Massachusetts, para explicar como atrai os alunos que fazem Harvard ser o que é. Falou também de expansão, crise e diversificação graças à recente reforma do programa de bolsas, a instituição, fundada em 1636, está deixando de ter cara de “elite branca” para acolher estudantes brilhantes das mais diversas origens. Afinal, diz ela, muito do aprendizado por aqui se dá na convivência entre as diferenças.
FOLHA – O que a sra. espera de sua viagem ao Brasil?
Drew Faust – Estou animada em ir. É um lugar vibrante, que está crescendo e se torna cada vez mais importante no mundo.

Há hoje mais gente interessada em estudar o Brasil?
Há. A melhor representação disso é a questão dos BRICs, quando o Brasil passou a ser visto como uma das principais forças emergentes na economia internacional.

Ainda assim não há tantos estudantes e professores brasileiros ou especialistas em Brasil aqui em Harvard.
Recebemos uma doação generosa de um brasileiro, o Jorge Paulo Lemann [milionário cujo fundo já foi dono da AmBev e acaba de comprar o Burger King], que apoiou nossa expansão em estudos brasileiros. Avançamos alguns passos, esperamos continuar. O escritório no Brasil está indo muito bem. Há bastante interesse por parte de nossos professores e estudantes em fazer conexões e tocar programas [de extensão] lá. Além disso, a [Harvard] Business School está interessada em fazer estudos de casos do Brasil. Estamos bem otimistas com as nossas conexões com o país, e minha viagem é para reforçar isso.

Harvard está se expandindo. O que estão fazendo para atrair mais estrangeiros, estudantes e professores?

Nós nos tornamos uma universidade muito mais global nos últimos anos. Hoje, 20% do total de nossos alunos são estrangeiros. Também passamos a dar ênfase, na graduação, à importância de se ter uma experiência internacional. É uma mudança cultural para nossos alunos, que costumavam ser desestimulados a passar tempo fora de Cambridge. Oferecemos, inclusive, apoio financeiro, caso não tenham meios de arcar com isso 1/4 dos estudantes teve alguma experiência internacional no ano passado. Se olharmos a forma como nossos professores pesquisam, ela também mudou. Temos uma proliferação de professores viajando para trabalhar e buscando os serviços que nosso departamento internacional fornece. Aumentamos o número de escritórios internacionais nos últimos anos e temos um novo modelo em Xangai, que é um espaço com salas de aula e que oferece oportunidades para atividades.

Qual a relação com o governo federal e as instituições privadas no financiamento à pesquisa científica?

Nós recebemos uma proporção majoritária no nosso financiamento à pesquisa do governo federal. Está em cerca de 21% de nosso orçamento hoje [US$ 3,7 bilhões]. Nosso orçamento também conta com uma contribuição significativa de nosso fundo de doações [“endownment”]. Hoje, cerca de 35% de nosso orçamento operacional vêm desse fundo. E há ainda as anuidades.

O fundo sofreu com a crise econômica?
[A crise] nos obrigou a ter um olhar mais duro com o que estávamos fazendo, estabelecer prioridades e decidir sobre o que poderíamos passar sem. O fundo caiu 27%. Foi um momento de auto exame intenso na universidade, e acabamos fazendo algumas mudanças.

Mas pelos números, o investimento em pesquisa não caiu. Essa é a prioridade?
Sim, ao lado da ajuda financeira aos estudantes.

Como Harvard recruta estudantes?
Tentamos mandar a mensagem que queremos ter aqui gente talentosa independentemente da situação financeira e localização geográfica. Fazemos isso por meio de nosso escritório de admissões, cuja equipe viaja pelo país e pelo mundo todo. E procuramos reforçar isso com um pacote de ajuda financeira, que faz a universidade parecer acessível. Nos últimos anos, criamos uma série de iniciativas para famílias de baixa renda. Com essa mensagem, conseguimos 35 mil inscrições neste ano.

Quão importante é ter os melhores aqui? E quanto os estudantes aprendem uns com os outros?
Não tenho como dar um percentual, mas este é um ambiente muito mais diverso do que qualquer outro em que os estudantes já tenham vivido. São pessoas diferentes deles, às vezes de outras partes do mundo, com outras ideias, outros talentos, e isso é muito enriquecedor.

Mesmo com tanta tecnologia, não há como substituir a convivência…
A tecnologia mudou muita coisa no ensino. A sala de aula deixou de ser um espaço apenas para transmitir informação e passou a ser para debatê-la. Mas achamos que esse tipo de aprendizado, pela convivência com gente diferente, é essencial. Temos até o sistema de alojamento, no qual os graduandos aprendem a viver juntos, a dividir o banheiro, o refeitório, os projetos. Aprender vai além do computador.