A Unicamp inova

Projeto desenvolvido pela universidade visa a melhorar a qualidade na formação de estudantes da rede pública de ensino médio, preparando-os para cursar o ensino superior

Entre as iniciativas tomadas por instituições universitárias para tentar reverter a trágica situação em que se encontra o sistema educacional do País, merece destaque a experiência que vem sendo desenvolvida pela Universidade Estadual de Campinas(Unicamp) com o objetivo de melhorar a qualidade na formação de estudantes da rede pública de ensino médio, preparando-os para cursar o ensino superior.

O projeto é semelhante ao adotado por instituições de ensino superior dos Estados Unidos, como a Universidade da Califórnia, em Berkeley. Chamado de Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS), ele seleciona, com base nas notas do Enem, até dois alunos do 3.° ano do ensino médio de cada uma de 95 escolas públicas de Campinas, oferecendo-lhes um curso de formação geral, sob a orientação de um professor ou pesquisador, e propiciando-lhes o conhecimento de experiências científicas. Cada aluno recebe uma bolsa mensal de R$ 400.

“Esses estudantes podem entrar em contato com conhecimentos básicos do mundo natural, social e artístico, a partir de disciplinas voltadas para o desenvolvimento de habilidade, raciocínio lógico e responsabilidade ética, social e ambiental, e suas relações com o mercado de trabalho. Por meio da iniciação científica, que é obrigatória, eles aprendem a refletir sobre problemas reais, usando conceitos, técnicas e métodos científicos”, afirmou o físico Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, em entrevista à revista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que divulga os projetos acadêmicos e científicos por ela financiados.

Os alunos do ProFIS passam dois anos na Unicamp e têm de se esforçar muito no primeiro semestre, quando são oferecidas as disciplinas que nem sempre são bem lecionadas na rede pública de ensino fundamental, como Matemática, Física e Química. Ao todo, têm de cursar 28 disciplinas obrigatórias e duas eletivas, em qualquer um dos 61 cursos de graduação da instituição. Com isso, têm condições de definir melhor a carreira profissional que almejam, podendo circular por todas as faculdades e unidades da instituição, com livre acesso aos professores e diretores. Ao término da experiência, os alunos aprovados não precisam se submeter ao vestibular. “Esses alunos iniciam a graduação mais maduros do que os colegas que ingressam pelo vestibular, destacando-se por sua postura crítica. Muitos fazem questão de participar das discussões do Conselho Universitário, além de trabalhar em projetos de relevância social”, diz a bióloga Mariana Nery, coordenadora do ProFIS.

Desde sua implantação, o ProFIS ampliou em 3% a participação de estudantes egressos da rede pública na Unicamp. Segundo levantamento do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da instituição, os alunos do ProFIS vêm de famílias de baixa renda. Em relação à escolaridade dos pais, 77% constituem a primeira geração de suas famílias a ingressar numa universidade. E, na primeira turma do programa, 40% dos alunos do ProFIS eram pardos ou pretos – porcentual 2,7 vezes superior ao de matriculados selecionados pelo vestibular tradicional. Embora a Unicamp continue mantendo políticas de ação afirmativa, concedendo bônus sobre a nota da segunda fase do vestibular aos candidatos oriundos de escolas públicas, o ProFIS apresenta melhores resultados, em matéria de inclusão social e emancipação cultural e profissional para estudantes de baixa renda. O sucesso do ProFIS também teve outro efeito social positivo, pois seus bolsistas passaram a divulgar o programa nos bairros onde vivem e nas escolas públicas nas quais estudaram, o que as estimulou a desenvolver projetos pedagógicos com o olho numa possível vaga no programa para seu alunado.

Em vez de levantar bandeiras mais vistosas do que eficazes, marcadas pelo viés ideológico, como fazem várias universidades públicas, a Unicamp, com a experiência do ProFIS, está trilhando o caminho inverso, democratizando o acesso aos seus cursos de graduação, sem comprometer o princípio do mérito.

O Estado de S.Paulo