A Unifesp e a autonomia universitária, artigo do reitor Walter Manna Albertoni

“As regras devem ser definidas pelas políticas educacionais, mas em parceria com quem faz parte da rotina das instituições”

O significado mais genérico de autonomia exprime a ideia de direção própria. Em termos mais precisos, autonomia indica a possibilidade de dar um ordenamento jurídico atrelado ao interesse da entidade que o detém.

A ideia de autonomia universitária no Brasil ainda caminha dentro das mais variadas instâncias políticas, jurídicas e burocráticas. Só para ter uma ideia da magnitude do tema, de 1911 a 1988, cinco Constituições, reformas do ensino superior e diversos decretos federais a definiram e regulamentaram. Dessa forma, a União planeja, define políticas, legisla, regulamenta, financia, executa, supervisiona o ensino e a pesquisa e mantém as instituições públicas de ensino superior.

As regras devem continuar sendo definidas pelas políticas educacionais, mas em parceria com aqueles que fazem parte da rotina das instituições -que são os reitores, os pró-reitores, os conselheiros, os consultores e os representantes das entidades. Achamos ainda que a autonomia deve incluir outros aspectos.

A autorregulação é uma das mais importantes ferramentas que a prerrogativa da autonomia assegura às universidades. Do mesmo modo, o modelo de gestão eficiente deve vir acompanhado de procedimentos de controle mais participativos, viabilizados pela inclusão não só da comunidade universitária mas também da própria sociedade.

Na verdade, esses dois aspectos poderiam ser combinados em uma estratégia que pautasse tanto a dinâmica própria das universidades quanto os imperativos de legitimidade, eficiência e transparência. Os mecanismos de autorregulação deveriam ser submetidos a uma técnica de controle e fiscalização por resultados.

A avaliação da realização de metas deveria ser o escopo das atividades de auditoria, pois, assim não sendo, as exigências burocráticas procedimentais inviabilizam o atendimento das peculiaridades que constituem a razão precípua da autonomia universitária. Acreditamos que o controle da eficiência dos resultados é o melhor índice futuro da viabilidade de uma universidade.

A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) vem agindo com autonomia no ensino e na produção de conhecimento. E, por meio de seu órgão colegiado máximo, o Conselho Universitário, decidiu por sua expansão com a abertura dos novos campi: Baixada Santista, Diadema, Guarulhos e São José dos Campos. A Unifesp ultrapassou a fronteira da saúde e ingressou nas áreas das ciências humanas, das exatas, química e biológica.

A instituição alinhou-se com o Ministério da Educação e acredita que o ensino superior deve ser ampliado e atender diferentes demandas e funções, a fim de reunir sempre as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Apoiada em sua autonomia universitária, a Unifesp decidiu por ações afirmativas, sem prejudicar o número de ingressantes no vestibular. Pelo Sistema Universal, ampliou em 10% o número de vagas para descendentes de negros e índios oriundos de escolas públicas, programa que vem sendo realizado com sucesso desde 2005.

Quando se discute o vestibular unificado pelas universidades federais por meio do Enem, a decisão da instituição de aceitá-lo como primeira fase para cursos de alta demanda e como prova única para outros cursos refletiu a discussão e a decisão soberana da sua autonomia.

A criação de um conselho interuniversitário federal, formado por representantes das universidades, com a presença de membros das sociedades científicas, de profissionais dos setores especializados, dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, poderia ser a solução para o controle das instituições universitárias.

No momento em que se cogita a edição de atos normativos federais relativos às universidades, parece fundamental que tais atos assumam a condição de instrumentos de efetivação da autonomia universitária, a fim de assegurar eficácia à sua consagração constitucional.

Para tanto, parece-nos que a expressa preservação de um âmbito de autorregulação e auto-organização destinadas a atender as suas peculiaridades e cuja operação submeta-se a uma fiscalização de resultados pelo alcance de metas seria, provavelmente, a maior contribuição para a implementação dessa opção constitucional pelas universidades autônomas.

Walter Manna Albertoni é reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e professor titular do Departamento de Ortopedia e Traumatologia dessa universidade.

Artigo publicado na “Folha de SP”, 12/7