A universidade de R$ 550 milhões

Com dinheiro de Itaipu e projeto de Oscar Niemeyer, escolhido sem licitação, a Universidade da Integração Latino-Americana começa a sair do papel

Foz do Iguaçu, no Paraná, está prestes a entrar para o seleto grupo de cidades brasileiras, como Brasília, São Paulo e Niterói, que abrigam monumentos portentosos desenhados pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Até 2014, Foz deverá abrigar um complexo de edifícios de 144.000 metros quadrados, a futura sede da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Os prédios serão er-guidos a um custo previsto de R$ 550 milhões. De acordo com o governo, a Unila abrigará até 10 mil alunos do Brasil e de outros países da América Latina. A Unila tem um luxo adicional. Seu terreno e o projeto arquitetônico e de engenharia, avaliado em R$ 11,3 milhões, foram bancados por Itaipu Binacional, dona de um dos caixas mais forrados da administração pública.

A ideia de criar uma universidade na região fronteiriça para integrar brasileiros e sul-americanos nasceu no começo dos anos 80. Mas somente quase três décadas depois o projeto da universidade ganhou corpo. Com o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de estreitar os laços com os países da região, uma comissão foi montada pelo governo brasileiro para estruturar a universidade. Havia uma disputa entre Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul para sediá-la. O fator decisivo para a escolha de Foz do Iguaçu foi a ajuda de Itaipu. Como Niemeyer já estava negociando outro projeto com a estatal, ele acabou sendo convidado para desenhar o complexo universitário. Para a Unila, Niemeyer diz ter se inspirado em outro projeto de universidade feito por ele: a Universidade Men-touri de Constantine, na Argélia, no final dos anos 1960.

O contrato entre Itaipu e o escritório de Niemeyer foi firmado sem concorrência pública. Ou seja: a direção de Itaipu nem consultou os preços de outros escritórios de arquitetura. A estatal também não abriu concurso público para escolher o projeto. “Não seria nossa atribuição”, diz nota de Itaipu encaminhada a ÉPOCA. Segundo a estatal, a contratação direta de Niemeyer está amparada legalmente na singularidade do projeto e na “notória especialização”, casos em que existe a possibilidade de dispensar licitação. De acordo com Itaipu, o preço cobrado por Niemeyer pelo projeto da Unila está em torno de 2,5% do valor da obra. “O preço do metro quadrado sairá mais barato que o verificado no Centro Administrativo de Minas Gerais em Belo Horizonte, também elaborado por Niemeyer”, afirma o pró-reitor de administração e planejamento da Unila, Paulino Motter. “Pelos nossos cálculos, o metro quadrado custará aproximadamente R$ 3 mil. Em Minas custou em torno de R$ 5 mil.”

Para negociar o projeto com Niemeyer, o diretor brasileiro de Itaipu, Jorge Samek, pediu a aprovação do ministro da s Educação, Fernando Haddad. Em setembro de 2008, Haddad concordou com a proposta de Niemeyer. De acordo com o Ministério da Educação, não houve sugestão para que fosse realizada licitação porque os recursos foram bancados por Itaipu. Na semana passada, a Unila anunciou que oito grupos de construtoras foram habilitadas a disputar a construção da primeira parte da obra. Em 2011, a universidade terá R$ 75 milhões para aplicar na construção do complexo.

É impossível ficar indiferente diante de um edifício de Oscar Niemeyer. Um dos arquitetos mais importantes da história, Niemeyer é daquelas poucas pessoas que tiveram tempo e talento para ver sua obra reconhecida mundialmente. No caso do projeto da Unila é possível antever que muitos se surpreenderão com a semelhança de alguns edifícios com outras obras conhecidas de Niemeyer. O prédio central da Unila assemelha-se ao edifício duplo de 26 andares do Congresso Nacional. Tem até o espelho d’água a seus pés. Longo e curvo, o prédio que vai abrigar as salas de aula da Unila guarda extrema semelhança com o edifício principal da Universidade de Brasília (UnB).

Uma das críticas frequentes às obras de Niemeyer é que elas exigem quantidades gigantescas de concreto e vidros (leia o quadro). Serão usados 34.000 metros quadrados de vidro. “As obras de Niemeyer imprimem alto custo energético porque a ventilação natural não é adequada. Os prédios dependem de ar condicionado”, afirma Frederico Flósculo, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB). “Isso costuma encarecer a obra.” A Unila terá de comprar 4.500 aparelhos de ar-condicionado. O edifício central de 23 andares exigirá uso intensivo de elevadores. “O conjunto é dotado de tecnologia moderna e faz uso racional de energia”, afirma o coordenador do projeto complementar da sede da Unila, Jair Valera. “Numa cidade como Foz do Iguaçu não é possível dispensar o ar-condicionado.”

Independentemente da arquitetura, o modelo da Unila empolgou a uruguaia Keren Lima, de 24 anos. Estudante de economia, matriculada no segundo semestre, Keren considerou a grade curricular adequada a suas pretensões. “A chance de conseguir completar um bom curso foi importante em minha escolha”, afirma Keren. “Mas a oportunidade de realizar intercâmbio com pessoas de outros países foi decisiva.” Keren não se queixa nem da distância que a separa de sua mãe, no departamento uruguaio de Rivera. “Só não estou completamente acostu-mada às refeições aqui”, diz Keren. “Até o horário é diferente.”

Em um país repleto de universidades sucateadas e distantes do padrão de excelência esperado, o investimento milionário a ser realizado na Unila só fará sentido se acompanhado de ensino de qualidade. O modelo de ensino da Unila é novo no Brasil. Reserva metade das vagas a alunos brasileiros e a outra metade a estrangeiros. Há aulas ministradas em português e outras em espanhol – o que força professores e alunos a aprender as duas línguas. Em agosto do ano passado, 200 alunos, entre brasileiros, paraguaios, uruguaios e argentinos, ingressaram na universidade. Nesta semana, desembarcarão outros 300, oriundos de Chile, Peru, Equador, Bolívia e Colômbia. Eles frequentarão 12 cursos, de áreas tradicionais como engenharia civil e relações internacionais, em um ambiente que estimula a interação dos alunos também fora do ambiente acadêmico. No alojamento comprado pela universidade para hospedar os estudantes, os quartos são divididos entre um estudante brasileiro e outro estrangeiro.

A ideia de integrar países vizinhos e promover o intercâmbio de conhecimento parece boa. Mas o sucesso da Unila dependerá de como os diplomas obtidos no Brasil poderão ser usados nos países vizinhos. De acordo com o pró-reitor de administração Paulino Motter, se um aluno do Uruguai, do Chile ou da Argentina puder validar o documento em seu país de origem, isso estimulará o ingresso de novos estudantes. “Também devemos melhorar o recrutamento no exterior, para que não haja uma relação desproporcional entre o número de brasileiros e es-trangeiros”, afirma Motter. “Isso comprometeria os planos da Unila. “Isso mostra que o governo tem um grande desafio para evitar que um projeto interessante se transforme em um monumento ao desperdício de dinheiro público.

PARECE BRASÍLIA
A maquete das futuras instalações da Unila.

1. Prédio dos laboratórios

2. Biblioteca

3. Anfiteatro com 1.500 lugares

4. Passarela de ligação entre os prédios

5. Restaurante universitário

6. Edifício central

7. Centro de recepção de visitantes

8. Prédio onde ficarão as salas de aula