Aluna promete parar com remédio após se formar em medicina

Um estudo publicado neste ano pela Faculdade de Farmácia da UFMG aponta o uso indiscriminado de psicoestimulantes por alunos da universidade, principalmente a Ritalina

Laura Fontes, 24, está no segundo ano de medicina na UFMG. Faz o curso em período integral e encara mais cinco horas de estudo em casa. Toda essa dedicação, porém, não se refletiu nas notas. Mais que decepcionada, ela conta que ficou desesperada. Não conseguia dormir nem comer de tanta preocupação com o curso.

“Uma amiga percebeu e me repassou alguns comprimidos de Stavigile (remédio que trata os sintomas da sonolência). Ela me orientou a usar sempre antes das provas. Foi o que fiz. Alguns meses depois, com os testes se aproximando, eu tomava dois comprimidos por dia de estudos. Um à tarde e outro bem à noite, porque eu estudava até de madrugada”, conta.

Laura diz que passou a se achar diferente. “Eu sentia a ampliação do meu poder de concentração e a diminuição da necessidade de sono. Havia também excitação e aumento da autoconfiança. Cheguei a ficar 48 horas virada, sem pregar o olho”, relata.

A estudante garante que não faz uso da substância fora da época de provas. “Sei dos perigos que ele pode causar, incluindo o desenvolvimento de transtornos psicológicos. Os efeitos colaterais que tive foram falta de apetite, dores de cabeça, ansiedade e até febre”, expõe.

Mas ela promete a si mesma: vai parar de tomar o medicamento depois da formatura. “Conto os dias para terminar com isso tudo. Por enquanto, não posso parar. Medicina sempre foi o meu sonho, demorei a conseguir, preciso manter o ritmo”, justifica.

Um estudo publicado neste ano pela Faculdade de Farmácia da UFMG aponta o uso indiscriminado de psicoestimulantes por alunos da universidade, principalmente a Ritalina.

De acordo com a farmacêutica Raíssa Cândido, coordenadora do projeto, 378 estudantes responderam a um questionário online. “Cerca de 6% deles fizeram uso dessas substâncias sem apresentar nenhum tipo de transtorno, apenas para melhorar o desempenho acadêmico”, explica.

O neurologista Osvaldo Bramussi, professor de pós-graduação em neurologia e psiquiatria da Faculdade Ipemed, alerta que tais substâncias psicoestimulantes só devem ser usadas em pessoas com transtornos psiquiátricos, como déficit de atenção.

“A Ritalina e a lisdexanfetamina (um tipo de anfetamina) podem até deixar o estudante mais alerta, tirando a sensação de sonolência, e deixá-lo eufórico, dependendo da dose. Porém, o ganho extra vai ter efeitos colaterais preocupantes, como aumento da frequência cardíaca, tremores, sudorese excessiva, dores de cabeça. Também facilita alguns tipos de arritmia caso já se tenha uma predisposição, além do desenvolvimento de transtornos psicológicos, como depressão”, adverte o especialista.

30% já usaram medicamento psiquiátrico

Pelo menos 30% dos alunos de universidades federais brasileiras já usaram medicação psiquiátrica, apresentando dificuldades emocionais para desempenhar suas atividades acadêmicas, segundo pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) de 2016. Quase 60% deles sofrem de ansiedade, e 20%, de tristeza.

João de Deus, coordenador do Fórum Nacional de Pró-Reitores da Andifes, afirma que a saúde do universitário ainda é um assunto novo para a entidade. “Mas estamos nos esforçando para promover mais estudos e vamos criar um protocolo com diretrizes de como as universidades federais do país podem agir no acolhimento de estudantes com problemas psicológicos”, disse.

Em um estudo de 2014, o psicólogo Ricardo Padovani, professor da Unifesp, encontrou indicadores expressivos de estresse, burnout (esgotamento físico e mental intenso), ansiedade e depressão entre universitários. “Quando entra na universidade, o estudante se vê numa situação de exigência muito diferente da que ele teve até então. Recorrer a essas substâncias é a saída momentânea para eles”. Para Padovani, uma opção é desenvolver sínteses educativas auxiliando o estudante a gerenciar sua vida universitária, especialmente os de medicina. “Precisamos cuidar de quem vai cuidar de nós”.

Jornal O Tempo