ANÁLISE – Falta ao país fazer o debate sobre a gratuidade do ensino superior público

Do jeito que está ocorrendo, a chamada “privatização da USP” vem de forma atabalhoada e provavelmente ilegal. Sem controles formais mais rígidos, é difícil até saber se a universidade recebe uma remuneração adequada por emprestar sua estrutura e marca a cursos que não se distinguem daqueles oferecidos pela iniciativa privada.
São erros de procedimento que não desmerecem a discussão de fundo: a universidade pública deve ou não ser gratuita? É preciso qualificar melhor esses termos.
Universidade gratuita é algo que contraria as leis da física e da economia. Prédios, laboratórios, professores e funcionários não se materializam do nada. Se não é o aluno que está pagando por sua formação, alguém o faz. Em geral é a sociedade, através dos impostos cobrados a todos. A questão, portanto, é definir qual modelo convém mais ao país. Ambos os lados têm bons argumentos.
Os defensores da gratuidade sustentam que, mesmo nos EUA, onde até as universidades estatais cobram vultosas anuidades, o grosso do financiamento das instituições é público, ocorrendo principalmente por meio de verbas diretas para pesquisa e doações filantrópicas (que envolvem renúncia fiscal).
Os que advogam pelo pagamento recorrem à noção de justiça social. Embora a formação do médico ou de qualquer outro profissional seja investimento público (interessa à sociedade tê-los), é grande a apropriação privada que ocorre devido à graduação. Estudo de Marcelo Neri, da FGV, mostra que a diferença entre o salário do médico e o de alguém que não estudou chega a 1.503%.
Ambas as partes também costumam brandir argumentos sobre democratização, mas eles podem ser facilmente contornados com bolsas de estudo e empréstimos.
A grande verdade é que, enquanto vários países já travaram esse debate e tomaram sua decisão, por aqui nós o estamos evitando -e apelando a gambiarras.