As aulas voltaram. A normalidade, não

O que já prometia ser um semestre difícil nas instituições federais de ensino ganhou uma perspectiva ainda pior na volta às aulas. Além da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que abriu seus portões ontem para os alunos com 21 dias de atraso, outras escolas do estado enfrentam problemas para a conclusão do ano, diante da greve dos funcionários técnico-administrativos. Na UFMG, a categoria está parada desde 28 de maio, reivindicando melhorias salariais e de condições de trabalho. Com isso, os impactos já evidentes dos cortes anunciados desde o fim de 2014 pela União (veja quadro) se somaram aos efeitos do movimento. Estudantes que retornaram ao câmpus ontem reclamaram de falta de insumos, aparelhos e verba para viagens e capacitação, por cortes em recursos orçamentários. Para piorar o cenário, precisam lidar ainda com bibliotecas e laboratórios fechados, além de colegiados e seções de ensino sem atividades, por falta de trabalhadores da área administrativa, que vêm mantendo apenas a escala mínima de 30%. Entre outros impactos, a situação afeta a matrícula em disciplinas pendentes e espalha um clima de incerteza entre universitários.

Das 11 instituições federais de ensino superior de Minas, apenas três retornaram às aulas em 3 de agosto, como previsto no calendário – além do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), que tinha previsão para dia 10 e cumpriu o cronograma. Na Federal de Uberlândia (UFU), o retorno ocorreu dia 17, enquanto na Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), mesmo com as aulas tendo voltado no dia 3, o funcionamento é parcial, porque parte dos professores entrou em greve há uma semana. Estão com calendário ainda indefinido as federais de Ouro Preto, Lavras, Juiz de Fora, e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (veja arte abaixo).

“INSUSTENTÁVEL” Na UFMG, o retorno ocorreu com mais de 20 dias de atraso. Depois da indefinição sobre a data das matrículas – alunos ficaram dias sem informação sobre prazos e tiveram dificuldades no site para fazer o cadastro -, o que deveria ser um alívio ainda é um problema. “Voltamos hoje sem condições de infraestrutura e de pessoal para continuar o semestre. A situação é insustentável”, afirma o diretor de Assistência Estudantil da União Nacional dos Estudantes (UNE), também integrante da direção do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG, Thales Freire.

Entre os problemas, Thales destaca as dificuldades nas questões financeiras, como manutenção de bolsas de estágio e de custeio, e os problemas de infraestrutura encontrados ontem no câmpus para serviços básicos, como bibliotecas, laboratórios e colegiados fechados. Ele afirma que, em solenidade de boas-vindas aos estudantes, prevista para hoje na UFMG, o DCE pretende debater os problemas com alunos e analisar a possibilidade de eles também aderirem à paralisação. “O movimento grevista dos funcionários é legítimo. Depois dos cortes, o quadro de pessoal técnico-administrativo foi reduzido e os que ficaram estão sobrecarregados”, afirma.

Alunos do 4º período de engenharia aeroespacial do Departamento de Engenharia, os estudantes Geovana Neves Félix e João de Araújo Cézar, ambos de 19 anos, confirmam as dificuldades. “Recebemos a informação de que apenas a Biblioteca Central está funcionando. As dos departamentos estão fechadas. Isso é ruim, porque muitas unidades ficam longe e nem todos os livros estão disponíveis”, afirma João. A colega teme pelo pior. “As notícias que ouvimos desde o início do ano, sobre cortes, nos amedrontam. A gente fica inseguro. Hoje foi o primeiro dia de aula, mas, se a situação se mantiver assim, vamos precisar dos recursos e eles nos serão negados”, diz.

No laboratório do curso de ciências biológicas, o contingenciamento já tem mostrado efeitos, como afirmam as alunas Luisa de Figueiredo e Anna Carolina Paganini, ambas de 22. “Tem equipamento estragado que não foi consertado”, dizem. O estudante Ramon Lopes Viana, de 22, também se disse afetado pela greve. “Tentei hoje me matricular em outra disciplina e não pude, porque o colegiado está fechado.”

O problema é o impasse na negociação entre técnico-administrativos e governo federal. Enquanto trabalhadores pedem 21,03% de aumento, o governo ofereceu 10%, escalonados em dois anos. Por sua assessoria, a UFMG informou que o reitor Jaime Arturo Ramírez vai se posicionar sobre a questão na sexta-feira.

CRONOLOGIA DA TESOURA

Os cortes no orçamento da educação e sua repercussão na UFMG

» 2014

28 de novembro – MEC anuncia bloqueio dos limites orçamentários para o restante do ano; no caso da UFMG, o contingenciamento é de R$ 31 milhões; instituição prioriza pagamento de terceirizados e bolsas e suspende investimento em obras e equipamentos, além do pagamento de água e luz

11 de dezembro – Reitoria reduz quadro de terceirizados e cortes nas despesas chegam a R$ 32,4 milhões

» 2015

17 de março – Congresso aprova Lei Orçamentária de 2015 e prevê valor de R$ 263 milhões para custeio e investimentos na UFMG

22 de maio – Decreto do governo federal determina corte do orçamento do MEC em cerca de R$ 9,3 bilhões para todo o país

Junho – MEC comunica que valores definidos na Lei Orçamentária seriam reduzidos em 10% nas verbas de custeio e 50% nas de investimento; para a UFMG a perda estimada é de R$ 50,7 milhões

6 de julho – Capes comunica aos programas de pós-graduação corte de 75% nos recursos de custeio e 100% nos recursos de capital

8 de julho – Reitor da UFMG reivindica que o MEC preserve os valores previstos na Lei Orçamentária, para assegurar continuidade das atividades

30 de julho – Novo decreto do governo determina mais um corte no orçamento do MEC, desta vez de R$ 1 bilhão

Agosto – Diante dos cortes, UFMG preserva bolsas e custeio das unidades acadêmicas (R$ 30,8 milhões); nas pró-reitorias e diretorias, os cortes chegam a 16% no custeio e 50% de recursos de capital. Ainda assim, a universidade prevê déficit de R$ 22,8 milhões até o fim deste ano

Agosto – Universidade cria fundo emergencial de R$ 2 milhões para programas de pós-graduação e bolsas da Capes; demandas emergenciais da graduação serão analisadas

Fonte: UFMG

Valquiria Lopes – Estado de Minas