As fundações universitárias, editorial do Estado de São Paulo

"A submissão dos financiamentos à burocracia funcional das instituições de ensino inviabilizaria a pesquisa de ponta que é feita nas fundações"
 
O grande problema de certas tentativas de moralização da administração pública que se fazem no país é a aplicação generalizada de remédios heroicos que, muitas vezes, matam o doente em vez de curá-lo da doença. Exemplo disso é o que está se passando com as fundações universitárias.
 
Professores e cientistas estão muito preocupados – e com razão – com medida do Tribunal de Contas da União (TCU) que impede o repasse de verbas para financiamento de pesquisas para fundações de apoio a universidades federais. A determinação consta de acórdão, cuja aplicação foi adiada para março do ano que vem.
 
A origem dessa medida foi o abuso escandaloso, no ano passado, na utilização de verbas públicas, destinadas à pesquisa científica, para a reforma e a decoração milionária do apartamento do então reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Mulholand – "o reitor do saca-rolha", como ficou conhecido por ter comprado para sua residência um saca-rolha de quase R$ 1 mil, afora latas de lixo de valor equivalente.
 
Com isso o perdulário reitor desmoralizou a fundação de apoio à UnB, o que levou o TCU a auditar mais de 400 contratos de 14 instituições de ensino superior federais, nelas encontrando irregularidades. O órgão de fiscalização decidiu, então, que as universidades deveriam receber as verbas diretamente, no lugar das fundações – pois estas, por terem regime jurídico privado, não se obrigam a seguir a lei das licitações.
 
O problema é que as universidades não têm estrutura para administrar tais recursos e a submissão dos financiamentos à burocracia funcional das instituições de ensino inviabilizaria a pesquisa de ponta que é feita nas fundações.
 
Aproximando-se o prazo em que a medida restritiva entrará em vigor, reitores e dirigentes de fundações universitárias pressionam para impedir que aquelas receitas para pesquisas sigam ínvios caminhos e acabem por desaparecer. Se não conseguirem, dizem eles, os principais projetos científicos do país podem ser paralisados. "Se até março não houver uma saída, eu proponho fechar as portas. Parar tudo", disse Luiz Pinguelli Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ. O instituto é o gestor de verbas para a pesquisa provenientes de convênios com empresas, como a Petrobrás, além dos celebrados com instituições de fomento.
 
Está prevista para outubro, em Juiz de Fora (MG), uma reunião do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior (Confies), tendo em vista a formulação de uma proposta para regular a matéria. "Sem as fundações não é possível hoje desenvolver a ciência e a tecnologia que o País precisa", afirma o presidente do Confies, Paulo Bracarense Costa.
 
"Se há desvios, devem ser corrigidos. Mas a falta de transparência é falaciosa. Os recursos passam pela universidade e são fiscalizados pelo TCU, Controladoria-Geral da União e conselho universitário, e a lei obriga que as fundações tenham auditoria externa", observa Bracarense Costa.
 
Efetivamente, o modelo das fundações acopladas às universidades, notadamente para o desenvolvimento de pesquisas científicas, de tecnologias e de serviços de atendimento de ponta, permite a superação dos crônicos entraves do serviço público. E um bom exemplo disso é a conexão da Fundação Zerbini com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, na estruturação de uma instituição de referência, como o Instituto do Coração (Incor).
 
É claro que a fiscalização deve ser atuante e rigorosa – como, de resto, deve ocorrer com tudo o que diga respeito a emprego de verbas públicas. O que não tem sentido é um episódio de irresponsabilidade – como o patrocinado pelo "reitor do saca-rolha" e pelos funcionários que o encobriam – provocar uma radicalização como a determinada pelo TCU, capaz, se não for revertida, de prejudicar seriamente o andamento da pesquisa científica no País. No lugar de tirar das fundações universitárias a sua função de apoio à pesquisa, devem os órgãos de fiscalização controlar com rigor a utilização dos recursos gerados pelo esforço dos contribuintes.

(O Estado de SP, 30/8)