Bandeira de Dilma nos EUA só engatinha

Programa alardeado pela presidente em viagem, Ciência sem Fronteiras ainda suscita dúvidas entre especialistas

Para cientistas, meta de bolsas é alta, e só foram implantados 3% delas; critérios de seleção também são incógnita

Ambicioso, o programa que a presidente Dilma Rousseff fez de bandeira em sua visita aos Estados Unidos ainda engatinha, deixando parte dos envolvidos incerta da capacidade do Ciência sem Fronteiras alcançar seu objetivo de ter -e reter- mais pesquisadores, inovadores e empreendedores capacitados no país.

Pessoas familiarizadas com o programa e participantes da reunião de ontem no Massachusetts Institute of Technology descrevem à Folha um cenário etéreo, em que uma meta muito alta -101 mil bolsas de graduação, pós e pesquisa- foi estipulada para um período de tempo muito curto, quatro anos.

Passados nove meses, apenas 3% delas foram implementadas, e outras 11% estão em fase de implementação.

“Não tenho a menor ideia de como será feita a seleção”, disse à Folha o geneticista brasileiro Marcelo Nóbrega, professor da Universidade de Chicago.

“Fico preocupado, porque muitos que entraram em contato comigo [para pedir lugar na equipe de pesquisa que ele comanda] estavam claramente em um clima de oba-oba.”

O pesquisador disse ter sido “inundado” de e-mails desde que o programa foi anunciado, em julho.

SEGUNDO PLANO
Dilma tem promovido o Ciência sem Fronteiras como ponta de lança de seu projeto de incentivar a inovação no país e aumentar a mão de obra qualificada, ampliando a capacidade competitiva do Brasil. Por isso, as áreas de engenharia e tecnologia são seu foco.

Mas, ao menos em um primeiro momento, doutorandos e pesquisadores foram deixados em segundo plano.

Das 10.979 bolsas em fase de implementação, 8.751 (80%) são de graduação-sanduíche (quando o estudante universitário passa um ano ou seis meses fora do país), de acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

“Não havia meio de preencher todas as bolsas em tão curto tempo. Foi preciso contratar uma consultoria para alocar os candidatos”, afirmou uma pessoa envolvida com o programa, sob condição de anonimato.

Nóbrega, por sua vez, diz sentir falta de planos de médio prazo para absorver o pessoal que retorna. Uma das metas do programa é reter a fuga de cérebros.

“Mas é preciso ainda desenvolver o plano de contrapartida para receber essas pessoas no Brasil, principalmente quem foi treinado para o longo prazo”, afirmou o geneticista após a reunião.

“Não se pode deixar que os melhores fiquem aqui [nos EUA]”, acrescentou.

POUCA EXPERIÊNCIA
O presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Glaucius Oliva, disse que é esperado que o número de estudantes seja pequeno no início -especialmente na graduação, já que o país não tinha nenhuma experiência nesse tipo de intercâmbio.

“A colocação na pós é automática, na graduação você tem de construir uma rede para que os alunos venham”, afirmou Oliva à Folha.

Segundo ele, a expectativa é que o Ciência sem Fronteiras chegue ao fim deste ano com 20 mil estudantes no exterior.