Bolsa leva futuro professor a conhecer realidade que o espera

Programa de Bolsas de Iniciação à Docência paga R$ 400 a estudantes que fazem estágio em escolas

A primeira sensação de Douglas Rene Rocha Silva, 26 anos, ao entrar em uma sala de aula como professor foi de desespero. “Eu pensei em sair correndo”, admite. O susto com a realidade de encarar uma turma de escola pública da periferia aconteceu há poucos meses, dois anos antes de se formar professor.

Douglas quase desistiu da carreira de professor quando entrou em sala a primeira vez. Hoje, não quer largar de jeito nenhum

Douglas cursa o 4º semestre de licenciatura em biologia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Sempre quis ser professor, mas confessa que não esperava se deparar com uma realidade tão dura. Ansioso por incrementar o currículo e aliar a atividade em sala de aula à pesquisa, ele decidiu experimentar a prática da profissão logo.

Depois do susto inicial, Douglas vive agora uma fase de encantamento. Está empolgado e cheio de ideias para construir um novo modelo de ensino. “O mundo na faculdade é totalmente diferente da escola. Percebi que não existe fórmula pronta e, hoje, me sinto estimulado e com mais vontade de me tornar um professor, buscar jeitos interessantes de ensinar”, diz.

A oportunidade vivida por Douglas é para poucos. O jovem participa de um projeto do governo federal que atende 16.714 estudantes que vão se tornar professores em todo o País – eles representam pouco mais de 1% dos 1,4 milhão de universitários em licenciaturas e cursos de pedagogia no Brasil. O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), criado em 2007, é a aposta do ministro da Educação, Fernando Haddad, para mudar a formação dos futuros professores brasileiros. E, por isso, deve crescer.

A lógica do Pibid se assemelha à do programa de iniciação científica nas universidades brasileiras. Coordenado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o projeto dá um auxílio financeiro a estudantes que participam de pesquisas científicas, desde os primeiros semestres dos cursos de graduação. A proposta pretende estimulá-los a produzir conhecimento e se interessar pelos estudos desde o início do curso.

Os estudantes se sentem mais estimulados com as aulas práticas, que eram raras na escola

As primeiras atividades do programa começaram efetivamente em 2009. Na época, 2 mil bolsistas foram contemplados. O ministro lembra que era um projeto-piloto e reconhece que não esperava tanto sucesso. “Este ano chegaremos a 30 mil bolsistas. A demanda pelo programa cresceu a partir do momento em que as primeiras barreiras entre a universidade e a escola foram quebradas”, analisa Haddad.

O plano é chegar a 100 mil bolsas em um prazo de três ou quatro anos. Para isso, de acordo com o ministro, estados e municípios precisam participar do esforço para formar melhor os futuros professores do País. “Se fizermos um mutirão nacional, com o apoio de estados e municípios, podemos atingir rapidamente esse número de 100 mil. A União sozinha levaria mais tempo”, afirma. O número se baseia em uma estimativa de quantos professores devem se aposentar ou deixar a profissão. Hoje, segundo ele há 2 milhões de professores no País.

Fórmula simples: a integração
O Pibid se difere do programa de iniciação científica porque seu funcionamento depende de um ente externo à universidade: a escola. Para conceder uma bolsa no programa de iniciação científica, a Capes exige que os projetos de pesquisa tenham a participação de estudantes e coordenadores. No de iniciação à docência, além disso, um professor da educação básica precisa atuar como supervisor desses alunos.

Nas escolas (estaduais ou municipais) parceiras das instituições de ensino superior (públicas e comunitárias apenas) que fazem parte do Pibid, a primeira tarefa dos universitários é realizar um diagnóstico do ensino da disciplina que estuda. Depois, junto com os coordenadores do curso, eles bolam estratégias para ajudar os alunos daquele colégio a aprender melhor. Por fim, as propostas são apresentadas e discutidas com os professores supervisores.

Em geral, os estudantes das licenciaturas criam jogos, brincadeiras, experimentos e atividades em laboratórios para auxiliar os professores a ensinar determinados conteúdos. Não raro, a presença dos universitários nas escolas permite a abertura de laboratórios que ficam fechados. Além disso, os alunos – de ensino médio, fundamental ou Educação de Jovens e Adultos (EJA) – recebem atenção individualizada, que o professor não consegue dar em turmas cheias.

A aplicação das atividades criadas pelos futuros professores é feita por eles. Os supervisores observam, auxiliam, aconselham. Mas deixam os estudantes serem protagonistas e não apenas observadores. “Eles têm papel ativo nas aulas, por isso o programa funciona bem. Na sala, eles são chamados de professores, como eu”, conta a professora de biologia Marta Miriam Almeida Santos, supervisora da Escola Estadual Apparecida Rahal em Itaquera (SP).

A postura, de acordo com os próprios supervisores, é bastante diferente da mantida com os estagiários. Perto da conclusão do curso, todo estudante de licenciatura precisa fazer um estágio obrigatório, que muitas vezes não acontece na prática. Alguns conseguem documentos declarando que cumpriram as horas exigidas sem pisar em sala de aula. E os que de fato comparecem têm papel quase figurativo: apenas observam os professores regentes.

“Os estágios obrigatórios passaram por um processo de burocratização, ganharam uma feição um pouco cartorial. O Pibid valoriza a licenciatura, promove um novo olhar sobre o currículo dos cursos e uma aproximação inédita da instituição com a escola pública”, avalia o ministro da Educação. Para Haddad, a relação tensa entre a escola e a academia, acusada de apontar caminhos distantes da realidade tende a acabar a partir dessa integração.

Redescobrindo a profissão
É verdade que muitos professores ainda resistem a abrir as portas das salas aos novatos, mas quem toma essa atitude se diz renovado. Marianina Atoiantz, professora de matemática há cerca de 20 anos, diz que aprende com os alunos. “Eles chegam com materiais e jogos para ensinar certos conteúdos e eu digo: como não pensei nisso antes?”, conta.

Stefane Paula de Faria, professora de química da Escola Apparecida Rahal, assim como Marta, professora de biologia, se sente estimulada a aprender mais com a presença dos alunos.”“Faz muita falta na formação dos professores unir a teoria e a prática. Essa é uma chance que dará uma visão mais ampla a esses jovens”, diz.

Roseli Rodrigues da Silva, 37, Maria Cristine Kowalski, 26, Rafael de Comi, 49, e Lúcio Flávio Santos, 25, são estudantes do 3º semestre de matemática do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) e bolsistas de Marianina, na Escola Estadual Oswaldo Aranha, em São Paulo. Na escola, que é referência de qualidade, eles já experimentaram a interdisciplinaridade. Marianina pediu que eles ajudassem uma professora de física a ensinar o conteúdo matemático essencial para a aprendizagem da física.

Eles se sentem privilegiados por aprender os meandros da profissão com uma educadora apaixonada. Rafael abandonou o emprego em horário integral para viver com a bolsa de R$ 400 oferecida pelo Pibid e alguns bicos, e ter mais tempo para a sua formação. “Quero ter o perfil dela quando for professor, observar as necessidades dos alunos e fazê-los aprender”, afirma Rafael.

Maria Cristine ressalta a importância para que os universitários, que pagam mensalidades, tenham essa oportunidade. É uma chance de mais dedicação ao curso, com uma segurança financeira, mesmo que pequena. O aumento dos valores é um sonho que eles alimentam. Além dos alunos de licenciatura, supervisores, responsáveis de cada curso e coordenadores institucionais recebem bolsas de R$ 765, R$ 1,4 mil e R$ 1,5 mil, respectivamente.

Carolina Espalaor, 21 anos, estudante de biologia do IFSP, admite que estava perdida quando entrou na faculdade. Não pensava em ser professora. Candidatou-se ao Pibid para conhecer melhor a profissão e agora tem certeza do que quer. As alunas da Unasp Roseane Siqueira, 42, (pedagogia) e Suely Ferreira, 24, (matemática) garantem que estão preparadas para os desafios da sala de aula. “A gente se sente parte do processo”, completa Bruna Daniela Weber, 21, estudante do 5º semestre de biologia na Unasp.

Revisão na academia
A expectativa do ministro da Educação é que os bolsistas sejam “agentes de transformação” das licenciaturas, provocando reflexões sobre como as universidades os preparam. Na Unasp, o coordenador institucional do Pibid, Haller Schunemann, afirma que esse era o objetivo de participar do programa. “Minha preocupação era como capacitar melhor o aluno, mas não tínhamos claro o que seria possível com o projeto. Agora, vamos repensar nossas licenciaturas a partir dessa percepção mais clara da profissão”, diz. Schunemann só lamenta que, em áreas como a física, a rotatividade de bolsistas seja alta. Muitos desistem do programa em busca de empregos com melhores salários.

No IFSP, os coordenadores esperam que a experiência reduza os índices de evasão das licenciaturas que hoje superam 50%. Mas eles acreditam que, sem a valorização externa da profissão – com melhores condições de trabalho e salários mais altos –, será difícil atrair os melhores alunos para esses cursos e mantê-los na carreira. “A ideia é boa e ajuda, mas precisamos dar tempo para que ela amadureça e pensar em mais alternativas para valorizar a profissão”, ressalta Paulo Henrique Alcântara, coordenador de biologia.