Bônus para professor é erro pedagógico e incentiva fraude

Professores de Sorocaba não são os únicos que escolhem o caminho mais rápido para receber três salários

Há um ano, esta coluna já havia apontado erros pedagógicos do sistema de bônus para professores da rede pública do Estado de São Paulo, como o fato de que a ação é incapaz de atrair os melhores profissionais para a carreira. Agora, após denúncia apresentada pelo iG de suspeita de fraude no Saresp em escola de Sorocaba, no interior de SP, fica também claro que o bônus causa outras externalidades (consequências que podem gerar políticas alheias a seus objetivos) extremamente “não educativas”.

Concedendo prêmios que podem chegar a três vezes o salário mensal de um profissional da educação é obvio que alguns profissionais – se não a maioria – vão preferir o caminho mais rápido, simples e direto para receber esses três milagrosos salários de recompensa. No caso de Sorocaba, esta recompensa seria pelo risco de ser pego cometendo uma irregularidade, ainda que ele seja pequeno e encarado também por professores em inúmeros outros colégios. A descoberta da suposta fraude pelo iG se deu muito mais pelo tamanho da sede do professor ou professores envolvidos na fraude do que pela desconfiança da sociedade em relação ao sistema.

Para uma equipe dedicada somente à educação como a do iG fica óbvio que uma escola na periferia de Sorocaba, com alunos carentes, que dobra seu resultado na avaliação rapidamente, não registra nenhuma falta no dia da prova e tem alunos que acertam todas as questões de matemática escondia algo. Quem trabalha com educação sabe que não existem milagres. Não há implantação na área. O que pode haver é desenvolvimento. Todas as provas de avaliação baseadas em notas absolutas demonstram muito mais a história socioeconômica do grupo avaliado do que a qualidade do processo educativo.

No mundo moderno e na administração pública moderna deve haver planejamento para atingir melhor resultados com os recursos disponíveis, que são sempre finitos. Os processos devem ser planejados considerando as fraquezas humanas e com todo o cuidado para não estar expostos a elas. Quem precisa ser virtuoso são as instituições e os processos, pois não podemos esperar que todas as pessoas sejam, principalmente quando o governo aplica incentivos monetários para profissionais extremamente mal pagos e que se sentem injustiçados pelo bônus. Instituições e processos virtuosos protegem o estado das ações não virtuosas.

Existem duas formas de melhorar substancialmente a qualidade da educação de um Estado ou de um país. A primeira é melhorar as condições socioeconômicas de seu povo, já que as pesquisas demonstram que, fora exceções, o rendimento em avaliações de alunos está relacionado com suas histórias de vida. A segunda, e sobre a qual o governo tem poder de ação mais imediato, é atrair melhores profissionais para a carreira de professor. Ganhando 60% a menos do que um profissional com a mesma escolaridade em outra profissão, não é o bônus, incerto e eventual, que irá atrair talentos para as salas de aula, mas sim o simples aumento dos salários dos professores. Passar alguns anos reajustando salários na mesma proporção do aumento de recurso per capita do Fundeb (este ano mais de 22% contra 6% de inflação acumulada) poderá, em um médio espaço de tempo, igualar os salários dos professores às médias de outras carreiras. Aí é só esperar que as novas gerações se interessarem mais pela profissão.

Mateus Prado cursou Sociologia e Políticas Públicas na USP. É presidente nacional do Instituto Henfil e autor de livros didáticos. Presta assessoria em Enem