Carta ao ministro da Educação

Poderia dar um telefonema ao ministro Mendonça Filho, que se comporta com tanta competência à frente do MEC. Ou enviar um recado por intermédio do seu sogro, o meu colega da Academia Brasileira de Letras, Acadêmico Marcos Vinícius Vilaça. Afinal, eu e Ruth somos seus padrinhos de casamento, com a Taciana Cecília, que foi uma lindíssima e inesquecível festa em Recife, na fazenda do artista Francisco Brennand. Algo assim não sai nunca da nossa memória.


Mas prefiro a simples epístola, para ficar dentro do que o próprio MEC estabeleceu, ou seja, uma consulta pública on-line. Quem sabe, há de interessar às nossas atuais autoridades educacionais a opinião de um mestre com mais de 60 anos de experiência e que deseja, por todos os motivos do mundo, ajudar o ministro a reduzir custos do Enem ou ampliar a sua eficácia.

Em primeiro lugar, louve-se o número de candidatos a que chegamos: 8,6 milhões. Não creio que haja algo parecido em outro país. Mas há uma brutal distorção na sequência do projeto: só fazem as provas cerca de 6 milhões de jovens, uma quebra de cerca de pouco mais de 30% dos inscritos. Já imaginaram o desperdício na logística estabelecida quando se trabalha com esses números? Penso que haja uma causa determinante desse fenômeno: a existência do que chamamos de treineiros, os que fazem a prova só para adquirir experiência, pois sabem que, sem ter os três anos do ensino médio, não poderão obter a certificação necessária. Pensar uma solução mais simples para os treineiros, desvinculando do Enem, já representaria uma brutal economia.

Depois, fugir de uma encrenca anual que é a prova aos sábados e domingos. O Brasil é um país que preserva a tradição dos sabatistas, os seja, dos que não permitem provas aos sábados. Assim se respeitaria a milenar tradição judaica e mais outras religiões, como os Adventistas do Sétimo Dia. Então, os dois dias de provas poderiam ser feitos num domingo e na segunda-feira seguinte (transformada em feriado escolar, o que não configura nenhuma grande dificuldade num país de tantos feriados ao longo do ano).

No questionário do MEC, convém responder que somos francamente favoráveis à manutenção do esquema de 90 questões por dia de prova, totalizando as 180 questões de hoje mais a redação indispensável. Assim se poderá manter o esquema atual de avaliação que é muito efetivo, sobretudo se considerarmos as escolas públicas que merecem de nós um carinho todo especial.

Pensando bem, e de acordo com cálculos que estão sendo realizados, a hipotética economia prevista nas alterações pretendidas nem são de grande monta. Serão bem menores do que se imagina e não justificam os transtornos que provocarão, num esquema que tem funcionado muito bem. A diminuição dos dias de prova, com a consequente redução do número de questões, prejudicará a abrangência curricular do Enem, indispensável, creio eu, à boa seleção de candidatos ao ensino superior, condição essa que permitiu a adesão maciça do sistema público ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), reconhecidamente o mais eficiente mecanismo educacional de inclusão.

O Sisu disponibiliza hoje 238 mil vagas no ensino superior público. É instrumento de inegável sucesso, responsável pela multiplicação de oportunidades de acesso especialmente às universidades públicas, e bem assim pela louvável mobilidade geográfica e social de alunos de pequenos centros em direção a notáveis instituições de todo o país. Nada justificaria, pois, essas mudanças. Concluindo, para que, então, envolver todo o sistema educacional nessa incrível aventura? São essas singelas questões que deixo à consideração do meu estimado ministro, por quem nutro enorme respeito e carinho e a quem desejo, de coração, todo o maior êxito.

*Arnaldo Niskier, membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia Brasileira de Educação e presidente do CIEE/Rio

Fonte: Correio Braziliense