Chile passa a ofertar ensino superior grátis

O Chile começa a pôr em marcha em 2016 a gratuidade no ensino superior, promessa da presidente Michelle Bachelet e uma das principais demandas dos protestos estudantis que há cinco anos convulsionaram o país.

Mas a novidade tem recebido uma chuva de críticas, a começar pela pressa com que foi implantada. A sanção presidencial ocorreu na véspera de Natal, poucos dias antes da matrícula deste ano letivo.

“Devemos primeiro fortalecer as universidades estatais e estabelecer compromissos para que as demais [instituições privadas, que recebem recursos públicos] não tenham fins lucrativos.”

Sem conseguir aprovar uma reforma completa do ensino superior, que mudaria também a forma de ingresso, a formação de professores e o financiamento das universidades públicas, o governo de Bachelet previu a gratuidade no Orçamento de 2016.

Mas não criou um marco legal para levar a proposta adiante nos anos seguintes.

Ficaram de fora, ainda, os alunos de instituições de ensino técnico superior. Em 2016, só 30 universidades poderão oferecer o benefício, restrito aos alunos de famílias que fazem parte dos 5% mais pobres do país.

“Está mal desenhado. Muitos estudantes de baixa renda que cursam o ensino técnico foram excluídos do benefício”, diz Harald Beyer, diretor do Centro de Estudos Públicos e ex-ministro da educação do governo de Sebastián Piñera (2010-14).

“O tratamento diferenciado frustra muitas famílias”.

UNIVERSALIZAÇÃO

O governo de Bachelet diz que quer começar pelas melhores escolas e com os mais vulneráveis. A meta, porém, é universalizar a gratuidade no ensino superior em 2020.

Nos cálculos do ex-ministro, isso custará ao país até US$ 5,5 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB chileno.

Mas o aumento de despesas ocorre em um momento de menor crescimento da economia, dependente dos preços das commodities, como o cobre, em desaceleração.

“Acho que não será possível garantir a gratuidade universal até 2020. A situação fiscal no Chile se complicou e não há espaço para reunir os recursos precisos”, diz Beyer.

Acossada pela queda em sua popularidade, acentuada por um escândalo de corrupção que envolve seu filho, Bachelet acelerou reformas educacionais, tributárias e no mercado de trabalho.

A agenda tomou todo o primeiro ano do atual mandato da presidente, que encerrou dezembro com a pior aprovação desde sua chegada à Presidência pela primeira vez, em 2006. Só 24% da população a aprovam, segundo a consultoria Gfk Adimark.

Com a gratuidade no ensino superior, ela quer eliminar a política do ditador Augusto Pinochet (1973-90) que instituiu a cobrança de mensalidade em todas as universidades, mesmo nas públicas.

Para Mathias Gómez, pesquisador da ONG 2020, criada nos protestos de 2011, a mudança vai na direção correta, de garantir o direito à educação gratuita. Mas ele teme que a falta de recursos comprometa medidas no ensino básico, como a melhor remuneração de professores, em debate no Congresso.

“Há muitos recursos sendo destinados a isso [ensino superior], e não queremos que a gratuidade termine afetando os esforços na educação escolar”, diz.

“É preciso avançar de modo gradual [no ensino superior], talvez além de 2020, respeitando a destinação de recursos que vão para os outros níveis educacionais.”

Outra preocupação é com a qualidade da educação com a implantação da gratuidade. O Chile tem os melhores resultados da América Latina, o que faz com que boa parte da população encare com ressalvas as mudanças.

“O Chile chegou ao teto com o atual modelo, agora é preciso uma segunda série de reformas para avançar na cobertura e focar os recursos em quem precisa”, diz Gómez.

“A diferença de notas dos alunos conforme a renda é grande. Isso é uma de nossas maiores preocupações.”

Folha de São Paulo