Comissão da Verdade terá auxílio de pesquisadores

Medida tem como objetivo compensar número reduzido de membros do grupo

Especialistas temem que tamanho restrito da comissão, composta de 21 integrantes, dificulte a apuração dos casos

DE BRASÍLIA
O governo quer recrutar centenas de acadêmicos e pesquisadores para contribuir com a base de dados sobre a qual se debruçará a Comissão da Verdade, aprovada anteontem no Congresso.
O reduzido número de membros (sete) e assessores (14) previsto para a formação do grupo é uma das principais críticas de especialistas.
Eles argumentam que apenas 21 pessoas não serão capazes de investigar e relatar em minúcias as violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, que é o objetivo da comissão.
O plano de incluir universidades, movimentos sociais e ONGs ligadas aos direitos humanos no funcionamento da comissão está em curso.
Em agosto, a Secretaria de Direitos Humanos, ligada à Presidência, criou uma portaria criando um comitê para gerir uma rede de pesquisa sobre “o direito à verdade, à memória e à justiça”.
O objetivo é criar grupos de estudo regionais em universidades que possam levantar e estudar documentos e depoimentos relativos ao período apurado pela comissão.
Em especial, o da ditadura militar (1964-1985). Seria uma forma de colher informações e ajudar a comissão.
“Existem diversos arquivos públicos de documentos que são pouquíssimo estudados”, diz, Rogério Gesta Leal, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, professor e coordenador executivo do comitê instituído.
De acordo com Leal, a ideia de “observatórios locais” estimulará as pessoas a descobrir e detalhar também violações menos conhecidas -não só em casos famosos e já exaustivamente estudados.
Ao mesmo tempo, diz seria uma forma de democratizar a comissão, envolvendo a sociedade na apuração.
Para viabilizar o trabalho de pesquisadores, que poderão ser de diferentes áreas, a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos Humanos vai negociar a criação de bolsas para esses pesquisadores.
O incentivo pode ocorrer via agências de fomento, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

COMPOSIÇÃO
Enquanto o projeto de lei aguarda a votação no Senado, o governo começa a delinear o perfil dos sete membros da comissão. A indicação será da presidente Dilma.
Segundo a Folha apurou, cogita-se chamar ao menos um jurista, um acadêmico, um intelectual, uma pessoa ligada a setores conservadores e outra à esquerda.
Quando enviou o projeto ao Congresso, em 2010, o ex-presidente Lula indicou que gostaria de ter o ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Sérgio Pinheiro no grupo. Hoje ele trabalha em uma comissão das Nações Unidas.

Colaborou MARIA CLARA CABRAL, de Brasília

COMISSÃO DA VERDADE
PERGUNTAS E RESPOSTAS

1.    O que é a Comissão da Verdade?
Um grupo federal que, por dois anos, investigará as violações aos direitos humanos cometidos entre 1946 e 1988, incluída a ditadura. Ao final, fará um relatório detalhando mortes, torturas e desaparecimentos

2.    Quando ela será criada?
O projeto de lei que prevê sua criação foi aprovado anteontem na Câmara, e agora precisa passar pelo Senado e ser sancionado por Dilma. Mas, a partir daí, não há prazo para que ela saia do papel

3.    Quais são os critérios de escolha dos membros?
O texto prevê que a comissão terá sete membros, que serão escolhidos por Dilma, e outros 14 assessores

4.    Quais serão seus poderes?
A comissão poderá acessar qualquer documento oficial, independente do grau de sigilo, e convocar pessoas para prestar depoimento, além de determinar perícias e diligências

5.    Ela poderá punir alguém?
Não, ela só poderá indicar os nomes dos responsáveis

Acordo que levou à votação foi fechado em um banheiro

DE BRASÍLIA

Um banheiro de 4 m² foi o esconderijo escolhido por um grupo de políticos para negociar, às pressas, os últimos detalhes do projeto que criou a Comissão da Verdade.
De Nova York, a presidente Dilma deu a ordem: não cederia um milímetro sequer a sugestões feitas pelo oposicionista DEM. Uma emenda do partido limitava os critérios para integrar a comissão, e não haveria votação sem aquele reparo no texto.
O impasse fez com que os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Maria do Rosário (Direitos Humanos) concordassem com a mudança. Mas ainda precisavam convencer Dilma.
A sala de reuniões do gabinete do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-SP), estava apinhada de gente, e a única privacidade possível era no banheiro.
Enquanto Cardozo fazia a chamada, outras quatro pessoas entravam espremidas no local. Além de Maia e Rosário, participaram José Genoino, assessor da Defesa, Cândido Vaccarezza (PT-SP), líder do governo na Casa.
O telefone passava de mão em mão. Os 20 minutos de discussão pareciam incapazes de persuadir Dilma. “Se não votar agora, não vota mais”, disse Vaccarezza.
Dilma queria aprovar o texto integral e dizia, irritada, que a emenda em questão “descaracterizava” o projeto.
Genoino acendeu um cigarro no cubículo. Fulminado pelos olhares dos colegas, apagou-o na privada.
As negociações foram ainda transferidas para um segundo banheiro, desta vez na liderança do DEM.
Foi lá que ministros e deputados terminaram de negociar os termos propostos. Horas depois, o texto foi aprovado com as alterações.
“O texto da nossa emenda foi submetido aos ministros no banheiro. Outras pessoas participavam de reuniões no meu gabinete, por isso tivemos que usar o lugar”, disse o líder do DEM, ACM Neto. (MARIA CLARA CABRAL E NATUZA NERY)