Conheça as relíquias do Museu de Arte Sacra que completa 60 anos hoje

Do lado de dentro dos muros do Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia (Ufba), apenas arte. Mas se engana quem pensa que a arte está presente apenas em seu acervo. A própria construção que abriga as obras e a vista deslumbrante da Baía de Todos-os-Santos são atrações do museu, que completa 60 anos nesta sexta-feira (9). Para marcar a data, um concerto será realizado às 19h de hoje.

Instalado no antigo Convento de Santa Teresa, o museu foi inaugurado em agosto de 1959, com a assinatura de um convênio entre a Arquidiocese de Salvador e a Ufba, que administra o local.

Podem ser vistas esculturas de madeira, barro cozido, pedra sabão e marfim, talha, bustos, pinturas, pratarias, mobiliário e painéis de azulejo, compreendendo os séculos 16 ao 19.

Uma das salas mais visitadas é a chamada sala de prata, que não pode ser fotografada. Cálices, medalhões e tipos variados de cruz, todos em prata, estão expostos. Outra obra importante é a tela ‘Nossa Senhora de São Lucas’, a primeira pintada no país, datada de 1575.

Incapaz de escolher uma obra especial, a museóloga Edjane Rodrigues Silva conta que a sua história se confunde com a da instituição. Jane, como é conhecida, trabalha no Museu de Arte Sacra há 28 anos, quase a metade do tempo em que o local está de portas abertas.

Ela foi aprovada em um concurso de servidores da Ufba, ainda aos 21 anos. Uma das funcionárias mais antigas da instituição, Jane começou suas atividades como guarda de acervo e guia – aquele profissional que fica nos corredores do museu ajudando aos visitantes. “O museu é meu norte, me fez me apaixonar por uma profissão, me fez escolher o meu caminho profissional”, conta ela.

Preservação
Depois de 10 anos, Jane decidiu cursar Museologia e hoje coordena o setor de exposições. O carinho é tanto que a funcionária considera o museu especial por inteiro.

“Não consigo escolher uma obra, acho que o museu precisa ser visitado como um todo. Para as pessoas entenderem o quão importante é esse trabalho de preservação, de cuidar de um patrimônio”, defende Jane.

A missão do museu é preservar e expor as peças de arte religiosas da Bahia. À frente do museu há 20 anos, o diretor Francisco Portugal Guimarães destaca a importância da instituição dentro do circuito de arte da cidade.

Para ele, um dos aspectos mais importantes é a ressignificação das peças de caráter cristão que compõem o acervo. “Na década de 50, a arte sacra era vista como algo voltado para as orações dos fiéis e, a partir da criação do museu, elas passam a ser encaradas como obra de arte. Apesar da peça ser religiosa, não existe o caráter religioso, é uma obra de arte”, explica ele.

Aberta de segunda a sexta, a instituição tem um público específico. Segundo seu diretor, quem mais visita o espaço são estudantes, desde alunos do ensino médio regular trazidos pelas escolas até estudantes universitários de diversas áreas que usam o museu como espaço de estudo e pesquisa. Entre quem vai sozinho, por conta própria, estão mais turistas que baianos. Os soteropolitanos têm preferido visitar as obras nas terças-feiras, quando as visitações são gratuitas.

“Mesmo assim é muito variável. Tem dias que aparecem 20, 30 pessoas, outros dias só cinco”, conta Guimarães. Ele diz ainda que nos meses de dezembro e fevereiro o museu recebe a maior quantidade de visitantes. Nos finais de semana, quando a visitação poderia ser maior, o museu recebe uma destinação diferente: casamentos. “Costumo brincar que é um mal necessário. Com os casamentos, conseguimos recursos importantes para a conservação e manutenção do espaço”, diz o diretor.

A beleza da vista e da própria igreja acaba atraindo uma grande quantidade de casais. Já houve anos, segundo o diretor, em que a instituição recebeu 35 matrimônios em um ano. Em 2018, foram realizadas 19 cerimônias.

Para o doutor em História da Arte e professor da Escola de Belas Artes da Ufba, Luiz Alberto Freire, a existência do museu representa um resgate de obras que teriam se perdido no tempo.

“O museu foi criado em um momento em que o interesse pela arte sacra atingia colecionadores particulares. Se não tivesse sido criado, grande parte do que compõe seu acervo teria parado na mão de colecionadores e se perdido”, conta ele.

“É um acervo muito preciso em todos os pontos de vista: material, técnicas e expressões artísticas, além de ter dado à Bahia uma instituição primordial para a educação estética”, diz o professor, que destaca como a arte sacra por muito tempo foi o primeiro contato das pessoas com a arte.

Quem entende essa importância é a estudante universitária Marina Carrera, 20 anos, que se diz fã das programações em museus. “Além de você conhecer a história da cidade, você conhece uma Salvador diferente. Agrega conhecimento, é uma programação muito enriquecedora. No caso do Museu de Arte Sacra, é tudo muito lindo, as peças contando uma parte da nossa história que a gente não conhece, e aquela vista deslumbrante. É um conjunto sensacional que vale muito a pena”, opina.

Para ela, a visita aos museus se tornou ainda mais interessante depois de ter ingressado no curso de Produção Cultural. Visitar um museu se tornou uma forma de estudo. “É uma pena que as pessoas não tenham muito costume de ir.”

Concerto executa peça de 1759
Para que os 60 anos não passem em branco, uma comemoração especial está sendo preparada. O museu será palco de um concerto para representar os vários séculos de história contada também pelas obras de seu acervo. “Música também é coisa de museu. Cada peça musical que nós executamos aqui também faz parte do museu. Mesmo que ela só exista enquanto executamos”, afirma o diretor da Escola de Música da Ufba, José Maurício Brandão, que conduzirá o espetáculo.

Assim como a tela mais antiga do país, o concerto contará com a execução da peça musical mais antiga de que se tem registro. “Hoje (às 19h), vamos executar o documento musical mais antigo encontrado no Brasil, datado de 1759. E foi um manuscrito encontrado aqui em Salvador e composto por uma academia que se reunia no prédio do museu”, detalha Brandão.

Os concertos no museu, no entanto, não são uma novidade. Fazem parte de uma parceria entre a instituição e a Escola de Música. “Os recitais aqui no museu se revestem de uma série de peculiaridades. A primeira delas é o fato de ser um lugar que nos faz voltar no tempo. Executar peças históricas em um lugar onde a história está viva é criar a possibilidade de um ressurgimento daquela manifestação artística e isso é maravilhoso. Além disso, tem essa vista, que é outro privilégio”, diz o professor.

Além do concerto, quem for ao museu poderá também conferir uma nova exposição. Até o dia 09 de setembro, a sala de exposições temporárias da instituição recebe ‘Salvador em Preto e Branco’, do arquiteto e urbanista baiano Isaias de Carvalho Santos Neto, que traz 65 desenhos com base em fotografias antigas e reproduzidas em nanquim, na técnica chamada pontilhismo

* Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier

Fonte: Jornal Correio