Continua o desmonte do Enem (Editorial)

Se a incúria do poder público foi a protagonista da tragédia na Região Serrana, ela também patrocina, quase ao mesmo tempo, mais uma ação para o desmonte do Enem, um dos melhores instrumentos criados para substituir o vestibular como porta de entrada na universidade.

Infelizmente, a credibilidade do Exame Nacional do Ensino Médio vem sendo destroçada a golpes sucessivos de inépcia desfechados pelo Ministério da Educação (MEC) e seu Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pela aplicação do teste, já utilizado por várias universidades, no processo de seleção de vestibulandos.

As constantes e graves falhas na condução do exame explicitam algumas das clássicas deficiências do serviço público brasileiro, convertido de vez numa casta por forças políticas que há alguns anos mantêm o poder em Brasília.

Protegido contra qualquer sistema comezinho de cobrança de eficiência, embora com salários muitas vezes acima dos pagos no mercado para as mesmas funções, o funcionalismo federal custa muito ao contribuinte e não dá um retorno compatível com o peso dos impostos cobrados à sociedade. Pelo contrário, tem gerado sérios problemas, como os do Enem.

Provas já foram furtadas por deficiência no sistema de vigilância contratado; folhas de testes terminaram sendo distribuídas com páginas de gabarito trocadas; e, agora, como se fosse para completar o calvário de centenas de milhares de estudantes, o acesso ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), para o candidato escolher as opções de cursos, tem sido, no mínimo, problemático. Devido ao previsível grande volume de acesso — surpreendente apenas para o MEC/Inep —, muitos estudantes não conseguiram entrar no sistema.

O prazo foi prorrogado, o mínimo que o ministério poderia fazer. Mas os problemas continuaram. Houve até — pela segunda vez no Enem — invasão de informações privadas, permitida por falha técnica de quem montou o deficiente esquema de registro por meio da internet.

Algumas conclusões se impõem. Uma delas: a máquina burocrática não aprende com o erro — e já foram vários no Enem.

Com o engavetamento da reforma administrativa formulada na Era FH, métodos minimamente modernos de gestão — como o estabelecimento de metas e a distribuição de bônus por resultados — continuaram ao largo da máquina federal, enquanto são adotados, com sucesso, em governos estaduais e municipais.

Sem uma gestão que responsabilize, mas também estimule o funcionário, o erro é apenas um acidente de rota. Mesmo que se repita.

Outra evidência é a incapacidade de haver troca de experiências dentro do próprio aparato estatal.

Inscreveram-se neste último Enem 3,3 milhões de estudantes, para disputar 83 mil vagas no ensino superior. Os números são elevados, mas a Receita Federal processa, sem maiores dificuldades, declarações de 24 milhões de contribuintes pessoas físicas, enquanto a Justiça Eleitoral registrou e apurou, com a costumeira eficiência, bem mais de 100 milhões de votos na última eleição. Por que não recorrer à experiência destas equipes?

Mas parece não haver esta atenção no setor público. A cada demonstração de incompetência como estas cresce mais de importância a decisão da presidente Dilma de instituir um Núcleo de Gestão e Competitividade. Trabalho para ele não falta.