Corte no Orçamento e impacto na ciência

Sempre que me deparo com necessidade de reduzir orçamentos, lembro como o “New York Times” abordou a questão durante a Segunda Guerra Mundial.

Naquele caso, havia oferta racionada de papel de imprensa. O jornal tinha que decidir entre espaço para publicidade (e o faturamento que isso traria) e para notícias. O “Times”optou pelas notícias, preparando o terreno para se tornar sua mais importante fonte hoje.

Há duas lições a extrair do episódio. A primeira é que cortes generalizados são uma atitude impensada e uma demonstração de falta de liderança. A segunda é que decisões tomadas em momentos de contração do Orçamento são muitas vezes mais importantes do que as tomadas durante a expansão.

Assim, o que vier a ser decidido em Brasília ou pelos governos estaduais nessa hora de austeridade é particularmente importante –e, é claro, difícil, porque haverá incômodo ao eleitorado, não importa quais sejam as escolhas feitas.

Programas científicos são vulneráveis em situações como esta. O eleitorado que os defende é pequeno, é fácil descartá-los impensadamente como elitistas e os benefícios que eles produzem em geral só vêm em longo prazo e de forma difusa.

Um exemplo foi a monitoração de dióxido de carbono na atmosfera do topo de um vulcão no Havaí, projeto iniciado por Charles David Keeling, em 1958. Tido como insensato, era fácil questionar o propósito de manter o trabalho de registro ano após ano. Houve diversos momentos em que o projeto quase foi cancelado.

Hoje em dia, a “curva de Keeling” consta de todos os manuais científicos, porque acompanha o pulso causal da mudança do clima.

Ocasionalmente, governos reconhecem a importância de programas como esses e os planejam de forma a perdurarem, a despeito das vicissitudes financeiras.

É o caso da Fapesp, a agência científica do Estado de São Paulo, que tem uma porcentagem da arrecadação estadual garantida a cada ano. Aqueles de nós que dependem da Fundação Nacional de Ciência dos EUA só podem contemplar seu exemplo com admiração e inveja.

A Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul não conta com essa proteção e está a ponto de ser desativada, como parte das medidas de corte orçamentário aprovadas pela Assembleia Legislativa do Estado.

As laboriosas pesquisas e coleções de ciências naturais, formadas ao longo de 50 anos, embora descartáveis para os imprudentes ou ignorantes, são críticas para a compreensão e administração dos recursos naturais do Estado.

As coleções ofereceram base para normas de zoneamento, avaliações ambientais e diretrizes de práticas agrícolas sustentáveis.

A fundação é fundamental para que o Brasil cumpra compromissos firmados na Convenção sobre a Diversidade Biológica –um dos triunfos da conferência Rio-92– e nas Metas de Desenvolvimento Sustentável definidas em setembro pela Assembleia Geral da ONU.

Os acordos são nacionais e internacionais, mas têm igual importância em nível estadual: sem o conhecimento que emana de instituições como a Fundação Zoobotânica, o desenvolvimento sustentável do Rio Grande do Sul pode se tornar uma caminhada aleatória e sem rumo.

A grandeza de cada local pode ser medida por suas instituições, universidades e museus. Para o Rio Grande do Sul, a Fundação Zoobotânica é um marco significativo e próspero. Ao garantir um futuro para ela, o Estado pode apontar o caminho para uma redução de Orçamento sábia, neste momento de consideráveis desafios econômicos para o Brasil.

THOMAS LOVEJOY, 73, professor de ciência e política ambiental na Universidade George Mason (EUA), trabalha na Amazônia desde 1965

Thomas Lovejoy – Folha de S. Paulo