Cota não é a solução

Ações afirmativas são necessárias para diminuir as desigualdades sociais. Elas dão condições a pessoas que, por alguma razão, competem em desvantagem em relação a outras por oportunidade de estudo ou trabalho. Eis a razão por que foi fixada uma cota para deficientes no mercado de trabalho. Empresas com mais de 100 empregados são obrigadas, por lei, a destinar de 2% a 5% das vagas aos física ou mentalmente desfavorecidos na disputa com os demais candidatos. A medida, justa, mereceu o aplauso da sociedade.

O mesmo reconhecimento não pode ser estendido a outra iniciativa da Câmara dos Deputados. A Comissão de Constituição e Justiça aprovou projeto que reserva 10% das vagas das escolas do ensino médio e das universidades públicas — federais, estaduais e municipais — a brasileiros que apresentem deficiência. Com caráter terminativo, a decisão não será alvo de discussão em plenário. Passa, agora, para o crivo do Senado.

Espera-se que a casa revisora dê a transparência  necessária ao texto. É importante justificar o percentual destinado à reserva. Por que o número é tão superior ao previsto para o mercado de trabalho? Vale lembrar que o projeto inicial fixava o índice nos 5%. De acordo com o IBGE, 14,5% dos 190 milhões de brasileiros apresentam algum tipo de deficiência.

Algumas leves, outras severas. Não seria o caso de especificar quem será beneficiado? Com o conceito tão amplo, abre-se espaço para injustiças e fraudes. Além dos 10% das vagas em questão, as universidades públicas correm o risco de destinar 50% dos assentos a candidatos a cotas raciais e sociais. Se aprovado o projeto no Senado, apenas 40% dos alunos entrarão no ensino superior pelo critério da meritocracia. É preocupante. Em primeiro lugar, porque compromete a excelência da seleção. Uma das razões de as instituições mantidas pelo governo apresentarem melhor desempenho que as particulares reside no recrutamento.

Estudantes com base sólida têm condições de avançar na aquisição de conteúdos e desenvolvimento de pesquisas. Em segundo lugar, porque há o risco de considerar a cota panacéia capaz de tapar as deficiências da escola pública. O resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), divulgado na semana passada, comprovou, mais uma vez, a tragédia do ensino ministrado pelas instituições estaduais e municipais, incapazes de fazer frente ao desafio de preparar a clientela para enfrentar as exigências do mercado. Em vez de paliativos, impõe- se olhar o problema de frente. Já passou a hora de dar resposta eficaz para exigência antiga — a única capaz de efetivamente tratar ricos e pobres com justiça. Quem frequenta a escola tem o direito de aprender e habilitar-se a conquistar uma vaga na melhor universidade do país.

Correio Braziliense, 03/05