Debatedores divergem sobre gratuidade de cursos de especialização nas federais

Representantes do governo, de universidades federais e de sindicatos divergiram nesta quinta-feira (20) sobre cobrar ou não pela oferta de cursos de especialização nas instituições públicas de ensino superior. São os chamados cursos lato sensu, em geral voltados para alguma atividade específica do mercado.

A institucionalização da cobrança, que já é feita atualmente por muitas universidades, está prevista na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 395/14, do deputado Alex Canziani (PTB-PR), e foi discutida na comissão especial que analisa a proposta.

De um lado, os defensores da medida afirmam que os cursos de especialização não são regulares e, portanto, são passíveis do fim da gratuidade. Na contramão, os críticos da PEC dizem que só o financiamento público garante a autonomia das universidades.

Gasto com cursos
Favorável à PEC, o coordenador-geral de Relações Institucionais da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC), Vicente Almeida, disse que a cobrança de mensalidades ajudaria a custear pequenos gastos das universidades federais relacionados aos cursos lato sensu.

“Pela legislação, esses cursos não são considerados cursos regulares. Não são considerados contínuos. Eles não diplomam, apenas conferem certificado”, explicou o representante do MEC. “É um atendimento de formação individual, específica para o mercado de trabalho, que pode sim ser cobrado. Não fere a legislação educacional vigente.”

Representante da pró-reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Rita de Cássia Cordeiro também defendeu a cobrança com o argumento de que muitos dos cursos de especialização são ofertados para capacitar funcionários de empresas multinacionais ou estudantes de outros países. “Quem paga são as firmas. O aluno vai lá estudar para trabalhar para uma firma que, muitas vezes, tem capital estrangeiro.”

Por outro lado, Rita Cordeiro lembrou que a Unesp não cobra por cursos direcionados aos professores da rede pública de ensino ou aos profissionais da saúde. “Nesses casos, é a prefeitura que paga. Está sendo remunerado, mas não pelo aluno”, disse.

Dados citados por ela indicam que, em 2014, 64,7% dos cursos de especialização ofertados pela Unesp foram gratuitos.

O dinheiro recebido também é utilizado para pagar o corpo docente, que muitas vezes está fazendo hora extra. Os cursos, ressaltou Cordeiro, costumam ocorrer nos fins de semana, pois são voltados para profissionais que trabalham.

Professores de universidades federais em greve manifestaram-se contra a PEC
Em resposta a esse argumento, o presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Paulo Marcos Borges Rizzo, disse que soluções em que o professor tenha de trabalhar no fim de semana não devem ser apoiadas. Até porque os docentes lutam atualmente contra cortes na educação.

Autonomia
Paulo Rizzo também criticou a PEC por entender que haverá interferência do poder econômico na gestão das universidades públicas. “Nas instituições públicas, a condição para manter a autonomia é o financiamento por parte do Estado. Não há autonomia se ela depender de outras fontes. O ensino é gratuito nas instituições oficiais porque o conhecimento aí produzido é de natureza pública e a sua transmissão deve se dar de forma gratuita”, defendeu.

Em relação ao fato de muitos cursos serem custeados por empresas, Rizzo disse que não são apenas os jovens empregados que buscam a especialização e pediu igualdade para todos os alunos. “Será que, no futuro, vamos ter que criar o Fies da especialização, para os alunos que não podem pagar?”, provocou.

O dirigente sindical defendeu ainda um esforço para a obtenção de recursos públicos suficientes a uma educação pública, gratuita e de qualidade. Segundo ele, a PEC pode abrir uma brecha para a privatização da educação superior pública.

Também o deputado Sergio Vidigal (PDT-ES) defendeu a gratuidade dos cursos lato sensu. “Os cursos de extensão são uma função social da universidade. Temos que garantir a igualdade de direitos a todos, aos que podem e aos que não podem pagar.”

Durante toda a audiência, professores de universidades federais em greve manifestaram-se com cartazes com mensagens contrárias à PEC. Em determinado momento, eles entoaram a frase “quem paga não deveria, educação não é mercadoria”.

Ações judiciais
O relator da PEC na comissão especial, deputado Cleber Verde (PRB-MA), disse que está reunindo opiniões para elaborar seu relatório. Apesar de defender uma educação pública, ele disse ser contrário às ações judiciais movidas contra as instituições que cobram por cursos de especialização. “Cabe a esta Casa cumprir o seu papel de legislar”, resumiu.


Agência Câmara

Foto: Luiz Macedo/Câmara